O Globo, n. 32527, 27/08/2022. Política, p. 9

No JN, Tebet tenta abrir via direta com eleitoras

Bernardo Mello
Luã Marinatto


Em uma entrevista permeada por apelos ao eleitorado feminino e críticas à polarização nacional, a candidata do MDB à Presidência, Simone Tebet, reconheceu ontem, na sabatina do Jornal Nacional, que o partido tentou “puxar o tapete” de sua candidatura, mas disse respeitar aliados que não embarcaram na campanha. Embora tenha reiterado em diferentes momentos ter um programa montado por economistas liberais, Tebet afirmou que será necessário “extrapolar o teto (de gastos) em torno de R$ 60 bilhões” no primeiro ano de um eventual governo para ações de transferência de renda.

Tebet, que é senadora pelo Mato Grosso do Sul, citou ainda sua atuação na CPI da Covid, e evitou detalhar respostas sobre como buscará recursos para cumprir pontos de seu programa, que fala em “erradicar a miséria” e zerar a fila do SUS. A candidata do MDB encerrou a série de sabatinas com presidenciáveis, iniciada na segunda-feira com o presidente Jair Bolsonaro (PL), e que contou também com Ciro Gomes (PDT) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Transferência de renda e teto

Tebet disse que compromissos fiscais terão de estar atrelados à “responsabilidade social”, e teve dificuldade para explicar de onde sairão recursos para cumprir promessas como a construção de 1 milhão de habitações — sendo 250 mil para famílias com renda de até 1,5 salário mínimo —, erradicar a miséria e zerar a fila de “cirurgias atrasadas” em hospitais públicos. Em determinados momentos, a presidenciável afirmou que a geração de empregos e o investimento em educação ajudarão o governo a atingir essas metas, e que poderia decretar estado de calamidade pública para permitir que os municípios aumentem gastos em Saúde. A candidata do MDB também afirmou que o custo para construir moradias populares é “exatamente o valor do orçamento secreto”, e alegou que conseguiria “acabar rapidinho” com esse gasto baixando uma portaria que exija que “todos os ministros abram as contas de seus ministérios”. Tebet disse ainda que furar o teto de gastos será necessário ao menos em um primeiro momento, e referiu-se entre os motivos à manutenção do valor atual do Auxílio Brasil.

— O mercado sabe que no ano que vem teremos que extrapolar o teto em torno de R$ 60 bilhões para cobrir a transferência de renda. É inadmissível não garantir pelo menos R$ 600 para quem tem fome — disse a presidenciável. Tebet alegou também que há recursos suficientes para garantir escolas de qualidade sem “jogar a conta para estados e municípios”, citando o aumento do Fundeb, aprovado em 2020 pelo Congresso.

— Não falta dinheiro para a Educação. Falta vontade. Não querem educar o povo porque querem manter o cabresto na hora do voto, para comprar o voto pela transferência de renda — afirmou.

Acenos a mulheres

Tebet fez diversos acenos ao eleitorado feminino, que tem registrado em pesquisas os maiores índices de indefinição ou possibilidade de mudança de voto, de acordo com pesquisas recentes. Além de citar conquistas das mulheres ao longo do último século, como o de trabalhar e votar, Tebet defendeu maior participação feminina nas cúpulas dos partidos, e disse que “mulher vota em mulher” quando reconhece “condições e liderança”. A candidata emedebista referiu-se a mulheres também em respostas sobre economia, ao explicar a forma de administração que defende:

— A dona de casa sabe, pergunte o que ela faz com pouco dinheiro: primeiro compra comida, depois paga o aluguel e se der paga as contas. É assim que você administra um país, elege prioridades e vai se adequando — afirmou. Outro tema levantado pela presidenciável foi o apoio a um projeto de lei, atualmente tramitando na Câmara, que estabelece multa a empresas que pagarem salários diferentes a homens e mulheres na mesma função.

— As mulheres ganham 20% a menos que os homens. Se for negra, preta, ganha 40% a menos. Estamos há 20 anos lutando por um projeto desse e não conseguimos. Será minha prioridade número 1 na pauta feminina.

Divisão no MDB

A presidenciável admitiu divisões no MDB, mas minimizou o apoio de dirigentes de nove estados e do Distrito Federal a Lula e Bolsonaro. Tebet criticou ainda lideranças emedebistas “envolvidas no petrolão do PT e que não estão conosco”, uma referência a nomes como os senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Jader Barbalho (MDB-PA), que resistiram à sua candidatura.

— Tentaram puxar meu tapete até pouco tempo atrás. Mas o MDB é muito maior que meia dúzia de caciques — declarou. Tebet citou, em sua defesa, apoios recebidos como o do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), e o do governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB) — este último, contudo, também acertou abrir seu palanque para a candidata do União Brasil, Soraya Thronicke.

Críticas à polarização

Tebet procurou dirigir críticas a Lula e Bolsonaro, líderes nas pesquisas de intenções de voto, e declarou que a polarização entre as duas candidaturas “está levando o país ao abismo”. Ao criticar o atual governo, a senadora referiu-se à proposta de reforma tributária voltada para impostos sobre o consumo, e que não foi votada “porque o presidente não quis”. Tebet defendeu que a votação seria importante para aquecer a economia no pós-pandemia. A candidata do MDB, que se notabilizou pela atuação na CPI da Covid no Senado, também criticou Bolsonaro pela gestão da pandemia.

— Saí absolutamente indignada de lá, se negou vacina, foram 45 dias de atraso. Além das mortes prematuras, duas sequelas da pandemia são o déficit na grade curricular das escolas e as filas de exames e cirurgias. Ao se referir ao PT, Tebet citou escândalos de corrupção que ocorreram nos governos Lula e também no da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), e culpou o chamado “petrolão”, investigado pela LavaJato, por consequências como o alto custo da energia e dos combustíveis. — Aconteceu com o mensalão, foram descobertos, aí vieram com o petrolão. Para ganhar eleição, quase quebraram uma estatal.

Seguro para informais

Tebet acenou com uma proposta que cria uma espécie de FGTS para trabalhadores informais, estimados em cerca de 40 milhões no país atualmente, e que não têm acesso à seguridade social. Segundo a candidata do MDB, a proposta formulada junto a sua equipe de economistas é voltada para informais que recebem o Auxílio Brasil. Eles receberiam 15% do valor que declararem receber por mês, e poderiam sacar o saldo acumulado duas vezes por ano.

— É o trabalhador que vai declarar o quanto recebe, não vamos checar isso. Vamos depositar 15% para uma emergência dele. É para garantir uma sobrevivência —afirmou.

Ainda na área econômica, a candidata do MDB também afirmou ser favorável à taxação de lucros dos mais ricos, e disse que o objetivo é “garantir mais espaço à classe média” para isenção no Imposto de Renda.

Atuação no Executivo

Questionada em diferentes momentos sobre atuações pregressas no Executivo, Tebet se esquivou da responsabilidade por indicadores negativos em áreas como educação e segurança pública quando foi vice-governadora do Mato Grosso do Sul, de 2011 a 2014. Tebet alegou, em determinado momento, que não “tinha a caneta” — o governador era André Puccinelli, que hoje concorre novamente ao governo do estado pelo MDB, no palanque da presidenciável.

Na área da Educação, Tebet disse ter atuado pela valorização salarial de professores, e disse que “graças a isso o Ideb na atual gestão” deu um salto. Fazendo a ressalva de não saber os números exatos, ela disse que o estado deveria ter o primeiro, segundo ou terceiro melhor resultado atualmente. Segundo dados de 2019 do Ideb, o Mato Grosso do Sul teve o sétimo melhor resultado para o Ensino Médio, após um período de estagnação na década anterior.

Tebet também defendeu a recriação do Ministério da Segurança Pública, e disse que a atuação do governo federal é necessária para o enfrentamento do crime organizado nos estados.