O Globo, n. 32526, 26/08/2022. Política, p. 4
Esquiva e conciliação
Bernardo Mello
Luã Marinatto
Em 40 minutos de entrevista ao Jornal Nacional ontem à noite, o ex-presidente Lula (PT) se apresentou em tom conciliador mirando uma ampliação de seu eleitorado, citando diversas vezes o vice Geraldo Alckmin, e terceirizou erros ao ser questionado sobre corrupção ecrise econômica nos governos do PT.
Sobre o primeiro tema, confrontado coma admissão dos esquemas na Petrobras por parte de delatores, Lula disse que “você não pode dizer que não houve corrupção se as pessoas confessaram ”, mas emendou o raciocínio comum acrítica às delações na Lava-Jato, acusando aforça-tarefa de “premiá-las” por “falar o que o Ministério Público queria”.
Sobre erros econômicos do partido, ele apontou apenas “equívocos” na gestão de Dilma Rousseff, como na condução dos preços dos combustíveis. Embora tenha exaltado atitudes de seu governo no combate à corrupção, ele não quis se comprometer com indicar um procurador-geral da a partir da lista tríplice do MP.
Corrupção
Sobre o escândalo de corrupção na Petrobras, que atingiu executivos da empresa e partidos como o PT, e sobre a devolução de R$ 6 bilhões aos cofres públicos após investigações da Lava-Jato, Lula evitou uma autocrítica ou admitir explicitamente os esquemas. Ao rememorar sua batalha jurídica — o petista obteve, em 2021, a anulação de todas as sentenças contra si —, Lula criticou métodos que atribuiu à Lava-Jato em acordos de delação, quando foi lembrado de que houve confissões.
— Você não pode dizer que não houve corrupção se as pessoas confessaram. E ficaram ricos por conta de confessar. Você não só ganhava liberdade por falar o que o Ministério Público queria como ficava com metade do que roubou. Ou seja, o roubo foi oficializado pelo MP, o que é uma aberração —afirmou.
O ex-presidente também acusou a força-tarefa e o ex juiz Ser gio Moro de “quase jogar o nome do MP na lama” e disse que houve perseguição política contra ele.
— A Lava-Jato ultrapassou os limites da investigação. O objetivo era condenar Lula.
Lista tríplice
O petista não se comprometeu a indicar um PGR a partir da lista tríplice do Ministério Público, tradição iniciada em segu próprio governo. Lula falou em deixar “uma pulguinha atrás da orelha” de quem espera esse compromisso:
— Nesse negócio de ficar prometendo as coisas antes de ganhar, a gente comete erros. Não quero um procurador-geral da República leal a mim.
Vou me reunir com o Ministério Público antes da posse para discutir os critérios.
O petista, contudo, buscou marcar diferenças em relação a Bolsonaro nessa área. Ele criticou o atual presidente por“trocar o diretor da Polícia Federal na hora que quer” e por “colocar na moda” o expediente de decretar sigilos de 100 anos sobre dados envolvendo sua família e aliados.
Erros de Dilma
O ex-presidente recorreu a um ditado, “rei morto, rei posto”, para marcar diferenças entre sua gestão e o governo Dilma, afirmando que “quem ganha vai governar do seu jeito”. Após elogiar o que chamou de “profunda competência” de Dilma como ministra da Casa Civil e chamar seu primeiro mandato de “extraordinário”, Lula elencou “equívocos” de sua sucessora, como as medidas para segurar preços da gasolina e dos alimentos, às vésperas das eleições de 2014, que agravaram problemas fiscais no ano seguinte:
— Acho que Dilma cometeu equívocos na questão da gasolina, e na hora que fizeram R$ 540 bilhões de desoneração e isenção fiscal de 2011 a 2014.
Ele afirmou, contudo, que a ex-presidente “tentou mudar” os rumos da política econômica e esbarrou “em uma dupla dinâmica que trabalhou contra o tempo todo”, citando o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o então senador Aécio Neves, presidenciável derrotado em 2014.
Elogios a Alckmin
Principal novidade de sua sexta candidatura, o ex-tucano Geraldo Alckmin, transformado em aliado e vice do petista, foi citado várias vezes, no gesto mais sintomático de que Lula queria falar para um público além do seu na entrevista. Lula exaltou a experiência política da Alckmin:
— Me juntei ao Alckmin para dar uma demonstração à sociedade brasileira de que apolítica não tem que ter ódio —afirmou.
Cerveja e picanha
O ex-presidente recorreu a uma imagem habitual em seus discursos, de que deseja ver a população “comer uma picanha e tomar uma cervejinha”, desta vez referindo-se não só à expectativa de melhora na economia, mas também de relações mais harmônicas na política. Buscando um tom popular, Lula também fez analogias com futebol ao defender que polarização “não pode se confundir com estímulo ao ódio”, numa crítica a Bolsonaro.
— Quando a polarização era entre PT e PSDB, a gente trocava farpas, mas eu não tinha nenhum problema de tomar cerveja com Fernando Henrique, José Serra ou Alckmin. Você tem divergências programáticas, mas não é inimigo. No campo de futebol é assim: nós contra eles. A torcida do Vasco é nós, a do Flamengo é eles — disse o corintiano ex-presidente, usando times do futebol do Rio na metáfora.
Agro ‘fascista’
Num dos raros momentos em que fez ataques contra alvos que não fossem o presidente Bolsonaro, Lula afirmou ver a existência de um “agronegócio fascista e direitista”, favorável ao desmatamento e que “acha bom ter arma em casa”. O petista procurou diferenciar este grupo de “empresários sérios do agronegócio, que fazem negócios com Europa e China e não querem desmatar”.
Regimes de esquerda
Com histórico de defesa de regimes autoritários de esquerda, Lula voltou a defender a ideia de “autodeterminação dos povos”, mas abriu espaço para crítica a alguns regimes. Ele disse ser “favorável à alternância de poder” e, ao citar a polarização como parte da democracia, citou como contraponto China e Cuba.
— Você não tem polarização no Partido Comunista chinês. Não tem no Partido Comunista cubano.