Valor Econômico, v. 20, n. 4977, 08/04/2020. Política, p. A8

Bloqueio de fundo eleitoral deve cair

Luísa Martins
Isadora Peron 


A Justiça Federal de Brasília decidiu ontem bloquear os repasses dos fundos eleitoral e partidário, determinando que tais valores sejam utilizados, a critério do presidente Jair Bolsonaro, no combate à pandemia do novo coronavírus no país. O juiz Itagiba Catta Pretta Neto, da 4ª Vara Cível do Distrito Federal, atendeu a pedido formulado pelo advogado Felipe Torello Nogueira em ação popular.

De acordo com o juiz, manter os fundos públicos em pleno avanço da covid-19 no Brasil “contraria a moralidade pública”, além de violar o princípio da dignidade humana e o “propósito de construção de uma sociedade solidária”.

“A pandemia que assola toda a humanidade é grave, sendo descabidas, aqui, maiores considerações sobre aquilo que é público e notório: que tem afetado de forma avassaladora a vida do país”, diz o magistrado, reforçando que a crise econômica já não é mais apenas uma perspectiva, mas uma realidade.

Contudo, a decisão judicial não deve vigorar por muito tempo. O entendimento de ministros dos tribunais superiores é o de que houve violação ao princípio da separação de Poderes, já que caberia apenas ao Legislativo alterar destinações orçamentárias.

Para o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), mesmo em um estado de calamidade pública o Judiciário não pode substituir o Congresso. “Se uma destinação está prevista no orçamento, é preciso observá-la. Se for o caso de redirecionar os recursos, é o Congresso que deve decidir”, disse ao Valor. “O estado de emergência não implica colocar em segundo plano a lei das leis, que é a Constituição Federal.”

Um ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ouvido reservadamente afirmou que, se o debate chegar às cortes superiores, a decisão do juiz deve ser cassada. O ministro também defendeu que o foro adequado para esse debate é o Parlamento.

Futuro presidente do TSE, o ministro Luís Roberto Barroso, que assume o cargo em maio, preferiu não comentar. Suas manifestações recentes, contudo, indicam que ele também considera ser do Congresso a competência de decidir se é o caso de mudar a destinação do dinheiro.

Na última sessão presencial do STF, em março, Barroso alertou para os riscos da interferência excessiva do Judiciário nas questões relacionadas à pandemia, o que poderia desorganizar o trabalho das autoridades de saúde.

Integrantes da cúpula do Congresso avaliam que a decisão de bloquear os fundos foi “oportunista” e será revertida antes que partidos precisem acionar o Supremo. Os presidentes dos partidos devem se reunir hoje, de maneira virtual, para debater o assunto.

A expectativa dos parlamentares é a de que a segunda instância já barre a decisão. Há um precedente no Rio de Janeiro: o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) derrubou decisão de primeiro grau que determinava a suspensão do fundo eleitoral visando o combate à pandemia.

Procurada, a Advocacia-Geral da União (AGU) não respondeu ao Valor sobre a possibilidade de o governo recorrer.

Na segunda-feira, o ministro Luis Felipe Salomão, do TSE, negou pedido do Novo para usar a verba dos fundos em medidas relativas à pandemia, mas os motivos foram técnicos: a liminar foi solicitada nos autos de uma consulta, que não permite decisões em casos concretos. (Colaboraram Marcelo Ribeiro e Raphael Di Cunto)