Valor Econômico, v. 20, n. 4977, 08/04/2020. Finanças, p. C1
Coronavírus atrasa devoluções de bancos públicos ao Tesouro
Talita Moreira
Edna Simão
Francisco Góes
A crise do novo coronavírus colocou em xeque o cronograma de devoluções de recursos dos bancos públicos ao Tesouro Nacional neste ano. O pagamento de dividendos também voltará para o patamar mínimo de 25% do lucro, depois de as instituições terem sido instadas a contribuir com uma parcela maior de seus resultados em 2019.
A restrição vem num momento em que a União precisa de mais recursos para fazer frente à alta nas despesas que terá com o combate aos efeitos do coronavírus. Por outro lado, preserva o caixa dos bancos públicos, que vêm sendo chamados a ampliar a oferta de crédito em meio à crise.
O Valor apurou que a Caixa pretende, por ora, suspender os pagamentos de instrumentos híbridos de capital e dívida (IHCD) - uma espécie de empréstimo sem vencimento atribuído pelo Tesouro à instituição nos governos Lula e Dilma. Em 2019, o banco devolveu R$ 11,35 bilhões desses títulos e para este ano era esperado um patamar parecido.
O objetivo do banco era continuar esse processo em 2020, contando, para isso, com a ajuda de vendas de ativos. Com a pandemia, os desinvestimentos entraram em compasso de espera - o IPO da Caixa Seguridade, que era previsto para o início deste mês, foi paralisado. Além disso, a instituição ampliou os recursos disponíveis para o crédito e reduziu as taxas de juros de algumas linhas. Fonte próxima ao assunto diz que a questão ainda não foi discutida com o Tesouro, mas considera a suspensão das devoluções natural neste momento. Procurada, a Caixa não comentou o assunto.
No BNDES, a crise não só interrompeu os planos do banco de fomento de vender ações de sua carteira, como ainda deverá levá-lo a ampliar suas participações em empresas. A instituição fará aportes em companhias, a começar pelas aéreas, por meio da emissão de debêntures conversíveis em ações.
O BNDES já anunciou que estão suspensas temporariamente as devoluções antecipadas de empréstimos feitos pelo Tesouro. Serão mantidos somente pagamentos que fazem parte de um cronograma acertado e que somam, em 2020, cerca de R$ 17 bilhões. O Valor apurou que esses pagamentos, a serem feitos mensalmente, vão somar pouco menos de R$ 1,5 bilhão por mês. Em 2019, o banco devolveu ao Tesouro R$ 132,5 bilhões entre antecipações e dividendos.
Em entrevista ao Valor, o secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, disse que a crise levou o governo a desistir de pedir a devolução de recursos adicionais pelo BNDES. Ele afirmou ainda que o Tesouro só espera receber os 25% de dividendos mínimos das estatais.
No caso do Banco do Brasil (BB), a questão do IHDC é menos relevante. A instituição tem apenas R$ 8 bilhões nesses títulos e eles são atrelados ao crédito agrícola. Porém, o BB havia sinalizado que pagaria em dividendos aos acionistas - União e minoritários - algo entre 30% e 40% do lucro neste ano.
A volta ao patamar mínimo de dividendos também obedece a uma decisão do Banco Central, que nesta semana determinou que as instituições financeiras em geral não paguem aos acionistas nada além do previsto na lei das S.A. ou em seus estatutos sociais para preservar caixa.
Por meio da assessoria de imprensa, o Tesouro afirmou que amortizações do IHCD são condicionadas à inciativa de cada instituição financeira e dependem de autorização do Banco Central.
Em relação aos dividendos, em uma situação normal, o conselho de administração dos bancos públicos pode propor montantes superiores ao mínimo legal. Isso foi o que aconteceu no ano passado. O Tesouro informou que ainda tem a receber parte dos proventos relativos a 2019. Segundo apurou o Valor, esse pagamento está, em princípio, mantido.