Valor Econômico, v. 20, n. 4977, 08/04/2020. Internacional, p. A9

É preciso criar as condições para o retorno ao trabalho



As respostas econômicas aos efeitos da pandemia do coronavírus foram rápidas e radicais, assim como o recurso às quarentenas, que quase paralisam nações que produzem mais de metade da riqueza mundial. Os desdobramentos das políticas fiscais e monetárias em curso são, em geral, previsíveis. Os do enfrentamento sanitário, não. Há dificuldade em avaliar a extensão do contágio e capacidade de destruição do vírus, que são diferentes nos países. Diante do desconhecido, os governos buscaram a máxima proteção possível - os severos prejuízos na economia foram considerados colaterais na primeira fase. Se bem-sucedida, haverá a fase seguinte: a volta a alguma normalidade, com isolamento dos grupos de risco. Não se sabe ainda como isso ocorrerá, nem a ciência tem respostas claras sobre isso.

No tratamento de choque, há ao mesmo tempo aumento rápido do número de infectados e de mortes e um mergulho rápido e intenso das atividades econômicas. Sua magnitude pode ser aferida pelo exemplo da maior economia do mundo, os EUA. Há 386 mil infectados, mais de 11,9 mil mortos. Medidas de isolamento, tardiamente adotadas, produziram em duas semanas pedidos de auxílio-desemprego de 10 milhões de pessoas e previsões de queda anualizada de 20% no PIB no segundo trimestre, uma depressão.

A permanência do distanciamento social é insustentável ao longo do tempo, como já se sabe. A OCDE estima que a cada mês a mais de bloqueio social o PIB mundial cai 2%, cerca de US$ 1,8 trilhão. As epidemias anteriores, como a Sars, não servem de guia, embora a experiência com elas tenha sido determinante para a reação rápida e incisiva de países asiáticos, como China e Coreia do Sul, diante da covid-19. O contágio do coronavírus é maior, mais rápido e sua letalidade bem superior. Pior: portadores assintomáticos espalham o vírus e dificultam a obtenção de dados vitais para um combate racional: não se sabe a quantidade de infectados sem sintoma, por exemplo, logo faltam informações vitais para a estratégia de defesa sanitária, como propagação, localização e taxa de mortalidade.

Há alguns parâmetros para o início do fim gradual do distanciamento social. Um deles é que a curva ascendente de novos casos passe a fazer o caminho inverso. Outro, que os sistemas de saúde tenham se fortalecido e equipado o suficiente para suportar o aumento da demanda de casos graves, condições que variam de país para país. No Brasil, a covid-19 ainda está em ascensão e há lugares onde 50% dos leitos de hospitais estão disponíveis - uma das condições estabelecidas pelo Ministério da Saúde para que o distanciamento possa ser relaxado.

Parece insuficiente.

A insistência do presidente Jair Bolsonaro na volta já ao trabalho - preocupação natural - é puramente eleitoral. Há dias, pensando em voz alta, disse que se a economia acabar, seu governo também acaba. Esse argumento é mesquinho, mas compreensível. Já os outros são fruto de ignorância pura e desumana. O isolamento dos grupos de risco (“vertical”) só é possível depois que há declínio do contágio, e quando o distanciamento puder ser substituído por testes em massa para detectar infectados e imunes, rastrear focos do vírus, isolá-los e, assim, proteger os mais vulneráveis.

Bolsonaro quer o retorno ao trabalho, sem pré-condições. Nunca mencionou testes. Encomendados com atraso, milhões deles provavelmente chegarão ao país com, ou após, o pico da pandemia. Testagens em massa só começarão a ser feitas em breve e os resultados só aparecerão um mês depois. Sem isso, não se sabe para onde o vírus está se deslocando, quem já se tornou resistente a ele e possíveis novos focos de contágio.

O presidente não quis se instruir sobre o assunto. Os que agiram como ele, como o presidente americano Donald Trump e o britânico Boris Johnson (infectado), voltaram atrás, desperdiçaram tempo precioso e viram o número de infectados e mortos aumentar.

A capacidade de enfrentar a pandemia depende das condições prévias do sistema de saúde pública do país. O do Brasil é mal equipado, com número de leitos desigualmente distribuído e ocupação média alta, de 85%. Bolsonaro também não disse palavra sobre a importância de equipá-los preventivamente com ventiladores, máscaras etc. Quando umpresidente acha, em meio à maior crise sanitária e econômica do pós-guerra, que seu problema não é o vírus, mas o ministro da Saúde, que faz o que o mundo inteiro está fazendo, é porque perdeu completamente a noção de realidade - e precisa ser isolado.