O Globo, n. 32527, 27/08/2022. Brasil, p. 15

Evasão de estudantes preocupa gestores de universidades

Lucas Atino


A retenção de alunos na graduação e pós-graduação foi um problema ressaltado nos debates do 8º Fórum Nacional de Reitores e Dirigentes das Universidades Parceiras do Futura, realizado ontem na sede da Editora Globo, e organizado pela Fundação Roberto Marinho. No último Censo da Educação Superior, de 2020, o Brasil registrou, pela primeira vez, queda de matrículas nas universidades federais, com uma redução de 1,3 milhão para 1,2 milhão, na comparação com o ano anterior. Na retração, pesou o número recorde de 270 mil trancamentos de matrículas. Defensores da Lei de Cotas, que completa dez anos em 2022, os reitores pediram o aperfeiçoamento de políticas de inclusão não só no acesso, mas na permanência de alunos. Reitor da Universidade Federal do Pernambuco, Alfredo Gomes recomendou mais atenção com os alunos do ensino médio.

— Precisamos de uma articulação mais consistente com os sistemas estaduais de educação, onde estão 90% das matrículas no ensino médio, para que os alunos estejam mais bem preparados para os exames de acesso às universidades — lembrou.

— Além disso, para grupos específicos, é necessário pensar também em vestibulares específicos. Por exemplo, a população indígena só é alcançada pelo sistema de cotas. É necessário fazer uma busca ativa, como faz a UNB e a UFSCar, para que esses alunos ingressem.

O reitor defendeu instrumentos para atenuar o efeito de dificuldades econômicas de estudantes.

— Os índices de evasão tendem a crescer por causa das condições econômicas. São fundamentais bolsas de permanência, como para alimentação. Precisamos ampliar o volume de recursos destinados a esse mecanismo. A política de cotas garante pelo menos 50% de ingresso. É necessário repensar essa política de forma mais ampla, fortalecendo a permanência com preservação da diversidade étnico-racial, permanência dos alunos com deficiência, e convivência das culturas de povos originários — enumerou Gomes .

Para o reitor da Universidade Federal Fluminense, Antônio Claudio Lucas da Nóbrega, investir no acesso e retenção é uma questão de “projeto de nação”.

— Se queremos que o país se desenvolva através da autonomia dos indivíduos, precisamos que isso aconteça com todos brasileiros e brasileiras, independente da origem e formação. Não só a política de cotas, mas também uma política de permanência é fundamental. A compreensão de projeto de nação facilita muito a compreensão desses mecanismos necessários. O presidente do Conselho Nacional das Juventudes e coordenador do Atlas das Juventudes, Marcus Barão, lembrou que a maior geração de jovens do Brasil convive com os piores indicadores sociais, como o desemprego e o subemprego:

— Países que souberam investir na educação nesses momentos de bônus demográfico conseguiram dar saltos de produtividade, bem-estar social e redução de desigualdades.

Inclusão digital

Os reitores destacaram o agravamento da desigualdade educacional com a pandemia e pediram investimentos na inclusão digital.

— Nos entristece que o governo corte recursos que seriam destinados à inclusão digital dos estudantes, optando por outras prioridades — afirmou Jefferson Azevedo, reitor do Instituto Federal Fluminense.

— Um segundo desafio nesse tema é a formação continuada de professores, com uso pedagógico das tecnologias. Os cortes nos orçamentos das instituições federais de ensino comprometem a continuidade das pesquisas acadêmicas, alertaram os dirigentes no encontro. — A situação é muito grave. Estamos fazendo de tudo para contornar essa crise, com remanejamento de orçamento de pesquisas. Sem pagar conta de água e luz, conseguimos levar os serviços terceirizados até meados de outubro — alertou a reitora da UFRJ, Denise Pires de Carvalho.

A reitora detalhou que as aulas remotas reduziram em 20% o consumo de água e energia.

— A maior parte da universidade é de laboratório de pesquisa, que não deixou de funcionar. A universidade é muito mais que local de formação profissional. É local de produção científica.

Mas como vamos fazer isso sem contrato de limpeza e de segurança? Esse é o desafio —avaliou.

Mais de 60 reitores e representantes de universidades participaram do fórum, que celebrou os 25 anos do Canal Futura. O encontro bianual voltou a ter atividades presenciais, suspensas durante a pandemia. Ao abrir o evento, o secretáriogeral da Fundação Roberto Marinho, João Alegria, destacou a oportunidade de retomada do diálogo em um momento que classificou de “ponto de virada” para a educação.

— A retomada vem depois de uma experiência traumática para quem trabalha com educação e de um ponto de virada em que retomamos atividades presenciais, o diálogo olho no olho — afirmou Alegria. — O país entra num novo ciclo, com renovação de governantes, do Congresso. Diretor-geral de Mídia Impressa e Rádio do Grupo Globo, Frederic Kachar disse acreditar que as discussões contribuirão para um caminho mais feliz para a educação.

— A educação talvez seja o tema mais importante do país. Mas, infelizmente, nos últimos anos não temos notícias tão alvissareiras no setor. O fórum reforçou o compromisso do Grupo Globo com a busca do conhecimento científico e intelectual — afirmou Kachar.

“Passado ainda presente”

Os dez anos da Lei de Cotas também pautaram as discussões dos reitores no encontro. Superintendente de Unidades Estratégicas da Uerj, Luanda Moraes defendeu a política de ações afirmativas como uma forma de corrigir distorções históricas que ainda influenciam as relações sociais.

— O passado colonial eurocêntrico ainda está muito presente. Quando a gente abre as portas das universidades, impulsiona a força motriz da sociedade — afirmou Luanda.

— As cotas sempre existiram, mas nunca para contemplar os negros, e sim para privilegiar brancos estrangeiros latifundiários. A desigualdade educacional se desdobra em desigualdade na renda, na ciência e na saúde. Reitora da Universidade do Estado da Bahia, Adriana Santos Lima lembrou que a instituição já havia instituído a política de cotas dez anos antes da promulgação da lei federal:

— É importante fazer com que as afirmações afirmativas se caracterizem para além da legislação e que tenhamos uma educação antirracista.

O reitor da Universidade Federal do Pampa, Roberlaine Ribeiro Jorge citou suas experiências pessoais para ao defender a necessidade de continuar a incentivar o combate ao racismo, especialmente no seu estado, o Rio Grande do Sul:

— Já me confundiram com manobrista, quando cheguei a uma cerimônia de formatura, e com segurança. Mas não me incomoda as pessoas não saberem o que eu sou. Me incomoda não saberem o que posso ser.