Título: O show de Saddam
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Fonte: Jornal do Brasil, 06/12/2005, Internacional, p. A6

Na terceira audiência de seu julgamento, o ex-ditador iraquiano Saddam Hussein deu um show à parte ao cantar, gritar e se levantar diversas vezes. O tribunal, suspenso até amanhã, foi palco ainda para o enfrentamento com uma testemunha, que denunciou, entre outros horrores, a existência de um moedor de carne humana.

Ahmed Hassan, 38 anos, a primeira testemunha a enfrentar Saddam, lembrou como foi torturado depois de uma tentativa de atentado contra o ex-ditador em 1982, em Dujail. O episódio acabou com o massacre de 148 xiitas por homens do governo, acusação do julgamento.

Hassan, que permitiu que seu rosto fosse mostrado na televisão, contou que foi levado com sua família para um prédio da Inteligência, em Bagdá, onde presenciou cenas de horror:

- Eu juro por Deus, entrei numa sala e vi um moedor cheio de sangue e cabelo humano.

Barzan al-Tikriti, ex-chefe da Inteligência e um dos sete homens que também estão sendo julgados, interrompeu a testemunha gritando ''É mentira!''.

- Ele deveria atuar no cinema - disse o irmão do ex-ditador.

Mas Hassan continuou. Relatou ainda um episódio envolvendo um adolescente de 15 anos no dia do ataque a Duajil. Saddam teria dito ao jovem: ''Você sabe quem eu sou?''. Ao ouvir ''Saddam'' de resposta, teria ferido o menino atirando uma bandeja em sua cabeça.

Assistindo ao depoimento, o ex-ditador ria da testemunha. Disse não ter medo da pena de morte e, por vezes, interrompeu o promotor:

- Ei, você de óculos, não reconhece seu líder de 30 anos?

O réu falou que o tribunal era ''made in America'' e cantou ''Vida longa ao Iraque''. Sentado atrás, Barzan fez coro e completou: ''Por que vocês não executam a gente e acabam logo com isso?''.

A audiência de ontem foi suspensa por 90 minutos após um protesto dos advogados de defesa contra o juiz Razgar Mohammed Amin, que não escutou suas queixas sobre a suposta ilegitimidade do tribunal.

A sessão foi retomada depois que o juiz permitiu que advogados e o ex-ministro da Justiça dos Estados Unidos Ramsey Clark, fizessem suas reclamações.

Clark denunciou a ilegitimidade do processo e a falta de proteção aos advogados. Najib al Al-Naimi, da defesa, disse que o tribunal na presença das tropas de ocupação ''contradiz as leis internacionais''.