Título: Brasil pode ter transplante de face
Autor: Claudia Bojunga
Fonte: Jornal do Brasil, 06/12/2005, Saúse & Ciência, p. A8

Um feito que parecia possível apenas na ficção científica foi realizado na semana passada: um transplante de face. Segundo médicos brasileiros, a operação inédita, realizada em uma francesa de 38 anos que teve parte do rosto esfacelado por um cão, já pode ser realizada no Brasil.

- Temos toda a condição de fazer o procedimento. O país é referência mundial em cirurgia plástica - explica ao JB o cirurgião plástico da 28ª Enfermaria da Santa Casa, Ricardo Cavalcanti.

Uma das diretoras da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Vera Cardim, afirma que a técnica de transposição vascular, de tecidos e nervosa já é dominada desde os anos setenta. Um dos maiores especialistas do mundo, o cirurgião plástico Ivo Pitanguy confirma.

- Todos os médicos brasileiros dessa área estão capacitados. Mas uma cirurgia como essa só é justificada se acontecerem grandes perdas como em caso de queimadura ou acidente - diz Pitanguy.

- O problema é que o tecido de outra pessoa pode causar rejeição. Por isso o paciente precisa tomar imunossupressores para o resto da vida, o que traz riscos - esclarece Vera.

Tais drogas diminuem a ação do sistema imunológico para impedir que reaja ao ''corpo estranho'' que é o pedaço do novo rosto. Mas, ao mesmo tempo, faz com que o organismo fique sem defesa, deixando o indivíduo exposto a infecções. A pessoa pode até morrer de uma simples gripe.

A respeito da operação pioneira, realizada pela equipe do professor Jean-Michel Dubernard e do professor Bernard Devauchelle, em Lyon, na França, Pitanguy reitera:

- A espera agora está muito mais na resposta imunológica do que em relação à técnica - observa Pitanguy.

O cirurgião plástico explica que é necessário aguardar um período para saber se a boca, o queixo e o nariz novos colocados na primeira operação vão ser rejeitados.

Segundo Vera, se isso não acontecer em 15 ou 20 dias, há uma grande chance de o transplante dar certo. Mas mesmo assim, existe para o resto da vida a possibilidade dessas partes não se integrarem devidamente à face da paciente. Nesse caso, o tecido vai necrosar e terá de ser retirado.

A cirurgia ainda não tinha sido feita em nenhum outro lugar do mundo devido à complexidade do transplante de pele, um órgão que é extremamente diferenciado: fabrica, por exemplo sebo e vários tipos de proteína. Isso faz com que seja muito suscetível a rejeição.

O cirurgião plástico e professor do setor de microcirurgia e paralisia facial da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) An Wan Ching, afirma que o principal dilema ético consiste em avaliar se mesmo com todos os riscos existe a necessidade de se realizar o transplante de rosto. A francesa, que não teve seu nome revelado, ficou completamente desfigurada, tinha dificuldade de falar, não conseguia comer normalmente e sofria de um trauma psicológico. Quando saía de casa tinha que usar uma máscara cirúrgica. Os médicos da equipe que a operaram declararam que assim que a viram decidiram realizar o procedimento.

Ontem, Dubernard, criticou a cobertura de alguns meios de comunicação que revelaram informações sigilosas sobre a operação, como a identidade da doadora e da paciente.