O Globo, n. 32528, 28/08/2022. Política, p. 17

Lula precisa de um dublador

Elio Gaspari


As regras das entrevistas ao Jornal Nacional não permitem que a fala dos candidatos venha pela voz de um dublador, mas ele teria ajudado a Lula. O candidato que disse ser necessário “pacificar este país”, que política “se faz conversando” e que “adversário não é inimigo” temperou suas respostas com um tom agressivo, algumas oitavas acima do que pede um estúdio.

Ecoava mais o líder sindical falando no estádio de Vila Euclides no milênio passado do que o Lula presidente de 2003 a 2010.

Lula resolveu seguir na campanha carregando as bolas de ferro da corrupção instalada no seu governo. Primeiro a do mensalão, depois a sua responsabilidade, ainda que indireta, nas propinas cobradas em obras públicas, sobretudo na Petrobras.

Erros, (“equívocos”, nas suas palavras) quem cometeu foi a sucessora, Dilma Rousseff. Logo ela, que tentou limpar a Petrobras e não conseguiu. Ele, repetiu, foi considerado o melhor presidente que o país já teve. Nos primeiros meses de seu mandato, áulicos atribuíam aos seus poderes a remissão do câncer de um amigo. O perigo mora na possibilidade dele acreditar nisso, mesmo sabendo que o amigo morreu meses depois.

Lula mostrou-se disposto a reverter o rumo da economia e repetiu uma receita que já deu errado.

A estridência do candidato estragou a resposta em que tratou do agronegócio. A aliança de Bolsonaro com os agrotrogloditas só trouxe constrangimento para os agroempresários. Ele diz a verdade quando afirma que o Movimento dos Sem Terra de hoje é outro. Isso, contudo, não é apanágio dos governos petistas. Já não corresponde aos fatos a afirmação de que o MST só invadia terras improdutivas. Invasores cobravam até resgate para não ocupar fazendas vizinhas.

As bolas de ferro da corrupção continuam presas aos tornozelos de Lula e serão sentidas durante os debates. Sergio Moro foi um juiz parcial, o Ministério Público fez barbaridades, e os delatores continuam endinheirados. Isso não elimina o fato de que de dez roubalheiras denunciadas, nove eram reais, bem como a metodologia empregada.

O sítio de Atibaia, bem como as obras que a Odebrecht fez graciosamente por lá, não apareceram, pelo limite de tempo da entrevista. Aparecerá.

Faltou a Lula, como faltou a Bolsonaro em maior escala, a grandeza de Juscelino Kubitschek:

“Não tenho compromisso com o erro.”

Lula e a China

Lula não tem sorte quando fala da China. Ele disse ao JN que “não tem polarização num partido comunista chinês”.

O Grande Timoneiro Mao Zedong e sua mulher, Jian Qing, fizeram a Revolução Cultural e encarceraram o presidente comunista Liu Shaoqi, metendo numa enxovia, onde morreu em 1969.

Depois da morte do Timoneiro, em 1976, Madame Mao foi posta na cadeia e condenada à morte. Teve a pena comutada e mudada para prisão perpétua. Enforcou-se num hospital em 1991.

Em 1989, às vésperas da repressão aos manifestantes da praça da Paz Celestial, o primeiro-ministro Zhao Ziyang foi deposto e acabou em prisão domiciliar. Ralou nesse regime por quinze anos, até sua morte, em 2005.