Correio Braziliense, n. 21867, 29/01/2023. Política, p. 4

Múcio: ambiente militar “totalmente pacificado”

Vinícius


A semana que passou foi a primeira, depois de quase dois meses, em que as Forças Armadas deixaram de ocupar as manchetes do noticiário. Não há acampamentos golpistas na frente de quartéis nem sinais de insubordinação na tropa. Os novos comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica assumiram a defesa da legalidade e trabalham para que suas corporações retomem as tarefas constitucionais, afastando da caserna as paixões políticas.  

A mais grave crise envolvendo militares e o poder civil desde a redemocratização está sendo superada pela política. Este fim de semana é o primeiro em que o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, consegue descansar após os tormentosos dias que culminaram no 8 de janeiro. Ao Correio, ele confirmou a virada no clima.  

“Espero que todos os meus fins de semana sejam tranquilos a partir de agora”, disse, após assegurar que o ambiente nas Forças Armadas “está totalmente pacificado” porque os militares “sabem o papel que desempenham como instrumento do Estado brasileiro”. “Estamos confiantes de que as relações com as Forças Armadas serão cada vez mais tranquilas, em prol do país.”  

A troca de comando no Exército, na Marinha e na Aeronáutica foi marcada por chás de cadeira e gestos mal-educados. Múcio traçou como estratégia isolar os bolsonaristas radicais e atrair os oficiais legalistas. Os três chefes das Forças decidiram deixar os cargos em 22 de dezembro, para não terem que bater continência ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.  

O então comandante da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Junior, foi o primeiro a distensionar o diálogo. Ficou no cargo até a designação do sucessor e, em 2 de janeiro, passou o comando ao tenente-brigadeiro do Ar Marcelo Kanitz Damasceno.  

Quem barrou o diálogo com o novo governo foi o ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos. Recusou-se a conversar com Múcio — que fez vários pedidos de audiência, todos negados — e sequer participou da cerimônia de posse do sucessor, Marcos Sampaio Olsen, que o deixou mal ante seus pares. Segundo relatos de quem acompanhou as tentativas de aproximação, o ministro ligou várias vezes para Garnier, “quase se humilhando, pedindo apenas uma brecha na agenda para que pudesse se apresentar”.  

O clima pesado entre os dois só se desfez depois que o almirante se arrependeu, após a posse do sucessor. Militares ligados a Garnier fizeram a ponte para que se encontrasse com Múcio no almoço com o almirantado. O convite para que o ex-comandante comparecesse foi feito por Múcio.  

Fator Exército  

O Exército foi a Força que mais demandou costuras políticas para a pacificação. Os acampamentos antidemocráticos nas portas de unidades militares estavam na mira da equipe do novo governo desde a tentativa de invasão à sede da Polícia Federal (PF), em 12 de dezembro, por radicais acampados em frente ao Quartel General do Exército.  

O então comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, passou o posto para Júlio Cesar de Arruda às 11h do dia 30, antevéspera da posse de Lula. Visto como “afável e educado”, o novo comandante manteve uma relação de cordialidade com Múcio nos poucos dias em que ficou no comando, mas se recusou a retirar os acampamentos. O terrorismo de 8 de janeiro atropelou a tolerância de Lula com o comandante do Exército. Os carros blindados obstruindo a entrada da Polícia Militar no acampamento no QG, onde se refugiou boa parte dos golpistas, é considerado um episódio ainda “obscuro”, segundo fontes ouvidas pelo Correio.  

O ponto final para Arruda foi a recusa em revogar a nomeação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro, para comandar o 1º Batalhão de Ações e Comandos, em Goiânia. A exoneração foi “uma decisão difícil de tomar”, segundo um alto funcionário do governo que participou das negociações.  

Favoreceu a troca de Arruda o discurso do então comandante Militar do Sudeste, Tomás Ribeiro Paiva, no evento de homenagem aos militares mortos no terremoto do Haiti, em 2010. “Alguém me arrume o telefone desse cara, preciso do telefone dele”, pediu Múcio a assessores.  

A primeira missão de Paiva, já comadante do Exército, foi resolver a situação de Mauro Cid. Convenceu o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro de que seria melhor enfrentar uma investigação da Polícia Federal — por suposto uso de caixa 2 envolvendo cartões corporativos da Presidência da República no governo anterior — sem estar no comando de uma unidade estratégica.  

Na terça-feira, Paiva reuniu a cúpula do Exército e demarcou o território da legalidade. Não recebeu nenhuma objeção dos colegas. “São todos disciplinados e hierarquizados”, assegurou uma fonte ligada ao Alto Comando.