O Globo, n. 32529, 29/08/2022. Política, p. 4

Confronto direto



No primeiro debate entre candidatos à Presidência, transmitido ontem à noite em pool pela TV Band, TV Cultural, jornal “Folha de S. Paulo” e portal “Uol” , o presidente Jair Bolsonaro (PL) foi pressionado por ataques a mulheres, após se referir de forma desrespeitosa a candidatas e jornalistas. Bolsonaro evitou ainda responder sobre o avanço da fome em seu governo. Já o Lula (PT) se esquivou de questionamentos sobre corrupção levantados por adversários, e disputou com Bolsonaro a paternidade de programas sociais.

Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB), Soraya Thronicke (União) e Felipe d’Avila (Novo) criticaram, em diferentes momentos, os dois candidatos que lideram as pesquisas de intenções de voto.

Ataque a mulheres

Bolsonaro atacou a jornalista Vera Magalhães, apresentadora do “Roda Viva” da TV Cultura e colunista do GLOBO, após ser questionado sobre a queda na cobertura vacinal da população nos últimos anos. O presidente, com termos pejorativos, chamou a jornalista de “vergonha”, e declarou: “Você deve dormir pensando em mim”.

— E não venha com historinha de atacar mulheres, não.

E se vitimizar — completou.

A manifestação de Bolsonaro foi diretamente criticada por Simone Tebet e Soraya Thronicke, as duas únicas candidatas mulheres no debate.

Tebet questionou o presidente sobre o porquê de ter “tanta raiva” das mulheres e o acusou de misoginia. Bolsonaro, inicialmente, tentou se desviar do assunto, e reiterou sua crítica ao que chamou de “vitimismo”.

Thronicke fez referência a um termo já usado anteriormente contra Bolsonaro:

— Quando homens são “tchutchuca” com outros homens e vêm pra cima da gente sendo tigrão, fico extremamente incomodada — disse.

Mais à frente do debate, Ciro disse que Bolsonaro “aparentemente não percebe e não respeita com a devida delicadeza que todos nós devemos à grave questão feminina”. Lula também usou parte de uma de suas respostas para manifestar solidariedade a Tebet e Thronicke.

Pressionado sobre o assunto em outras perguntas, Bolsonaro tentou modular o tom, citando o espaço da primeira-dama Michelle Bolsonaro em sua gestão, leis de proteção a mulheres sancionadas em seu governo e afirmou já ter “pedido desculpas pela (declaração da) fraquejada”, referindo-se à forma como citou no passado o fato de ter uma filha mulher.

Bolsonaro também procurou transferir o tema a outros candidatos, lembrando uma declaração pejorativa de Ciro, na campanha de 2002, sobre o papel de sua então mulher, a atriz Patrícia Pillar. Ciro disse que “sempre pedirá desculpas” pela frase e reagiu com ataques, citando o envolvimento da família de Bolsonaro na investigação das “rachadinhas”.

— Você corrompeu todas as suas ex-esposas, corrompeu seus filhos.

Bolsonaro obteve direito de resposta após esta fala, mas o usou para atacar Lula, chamando-o de “ex-presidiário”.

Corrupção

Logo no início do debate, Bolsonaro dirigiu-se a Lula citando dados sobre desvios na Petrobras durante governos do PT. Com tom incisivo, o presidente procurou usar o tema para atacar uma das principais bases eleitorais do petista, a região Nordeste, ao afirmar que a verba desviada fez “o povo nordestino sofrer por falta de água”. O presidente mencionou a devolução de R$ 6 bilhões por parte de delatores, informação confirmada pela empresa, e um suposto endividamento de R$ 900 bilhões — a Polícia Federal, no entanto, estimou perdas de pouco mais de R$ 40 bilhões com corrupção.

Lula acusou Bolsonaro de “citar números mentirosos” e depois se desviou do tema, elencando dados de áreas como educação e meio ambiente em sua gestão.

Em outro momento, ao ser acusado por Ciro de ter se “deixado corromper”, Lula subiu o tom contra a Lava-Jato, e disse ter sido “absolvido em todos os processos”. Ciro também citou a filiação de Bolsonaro ao PL para atacar a ambos.

— O senhor está no partido do Valdemar Costa Neto, para quem o Lula deu o Dnit para roubar — afirmou o pedetista.

Ao obter um direito de resposta na reta final do debate, Lula o usou para rebater acusações de corrupção e, referindo-se a Bolsonaro, o petista disse estar “muito mais limpo do que ele ou qualquer parente dele”, e afirmou ainda que derrubará decretos de sigilo de 100 anos editados no atual governo.

Tebet usou o tema da corrupção para criticar Lula e Bolsonaro, afirmando que “a corrupção não começou nesse governo”. Felipe D’Ávila, por sua vez, criticou denúncias de corrupção nos governos do PT e também o uso do fundo eleitoral, criado em 2018 e ampliado para R$ 4,9 bilhões.

Auxílio Brasil

Lula e Bolsonaro buscaram reivindicar a paternidade pelo Auxílio Brasil, programa do atual governo que substituiu o Bolsa Família, implementado no primeiro mandato petista. Lula acusou o atual presidente de tratar o programa de forma eleitoreira.

— É importante dizer que a manutenção (do benefício de R$ 600) não está na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) que foi mandada para o Congresso. Significa que existe mentira no ar —disse Lula.

Bolsonaro disse que manterá benefício no valor atual em 2023, mas reconheceu a falta de previsão no orçamento dizendo que “depois das eleições podemos fazer algo mais concreto e detalhado”, alegando que há necessidade de conciliar a medida com o “teto de gastos, e muita coisa planejada”. O presidente também acusou a gestão do PT de pagarem “uma miséria” de Bolsa Família e que “estava preocupado só com votos”.

Fome

Bolsonaro foi questionado por Ciro sobre a declaração de que “não existe fome para valer no Brasil”, e se esquivou atribuindo problemas econômicos a medidas restritivas adotadas na pandemia da Covid-19, para frear a disseminação do vírus.

— Não esqueçamos que 38 milhões de pessoas perderam tudo durante a pandemia porque foram obrigadas a ficar em casa —afirmou.

Bolsonaro também reconheceu que “tem gente passando necessidade, sim”, mas argumentou que “não é esse número exagerado”.

Pandemia

Tebet, que lembrou sua própria atuação na CPI da Covid no Senado, acusou Bolsonaro de “negar vacina no braço” e “virar as costas para a dor das famílias”. Tebet também criticou o presidente por participar de diversas “motociatas”, inclusive em momentos críticos da pandemia.

— Não vi o presidente pegar a moto dele e entrar num hospital para dar abraço em uma mãe enlutada que perdeu filho —disse Tebet.

Aceno de Lula a Ciro

Em uma campanha com seguidas trocas de farpas e ataques entre Lula e Ciro, o petista fez um aceno e disse que tentará “atrair o PDT” para seu governo, caso eleito. Embora tenha criticado o tom de ataques de Ciro, Lula disse tratá-lo com “deferência”.

— Há três pessoas que trato com deferência: Mario Covas, Requião e Ciro Gomes. Sei que eles têm coração mais mole do que a língua — disse Lula.

Ciro rebateu a “proposta”, e criticou o petista:

— Lula é esse encantador de serpentes. E ele quer trazer sempre para o lado pessoal. Bolsonaro foi um protesto reconhecido respeitosamente, por mim, sobre a crise econômica que Lula produziu — rebateu Ciro.