O Globo, n. 32531, 31/08/2022. Opinião, p. 2

Ampliação da cobertura de planos de saúde aumenta insegurança jurídica



Embalado pela campanha eleitoral, o Senado aprovou na segunda-feira um projeto (já com o aval da Câmara) obrigando as operadoras de planos de saúde a cobrir tratamentos, exames e procedimentos que não constam da lista oficial da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Em vez de determinar que apenas os tratamentos explícitos nela fossem cobertos, a lista da ANS passaria a funcionar como um rol de exemplos. O projeto contraria decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinando que o rol da ANS é taxativo, não exemplificativo.

Apesar de bem-intencionada ao legislar sobre assunto de apelo, a ampliação da cobertura poderá ter efeito contrário ao pretendido, trazendo insegurança jurídica e aumentando o custo para as operadoras. De início, o próprio governo se mostrou contra. Na semana passada, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, criticou a derrubada do rol taxativo da ANS e alertou parlamentares sobre a possibilidade de repasse de custos aos usuários. Faltando apenas um mês para as eleições, porém, é improvável que o presidente Jair Bolsonaro queira assumir o ônus de vetar o projeto, fornecendo munição para os adversários num tema de grande repercussão no eleitorado.

Pelo texto aprovado no Senado, as operadoras de planos de saúde terão de cobrir, ainda que fora da lista da ANS, os procedimentos prescritos por médicos, desde atendam a pelo menos uma das condições: eficácia comprovada; registro em órgãos reconhecidos nacional ou internacionalmente; ou terem sido recomendados pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). Em junho, o STJ limitara a cobertura dos planos à lista da ANS, abrindo exceção apenas para procedimentos que tivessem comprovação científica para os quais não houvesse tratamento similar no rol.

A manifestação do STJ trouxe clareza a um tema nebuloso, que atravanca os tribunais. Um estudo mostrou que, entre 2008 e 2017, as demandas judiciais relativas à saúde cresceram 130%. É uma situação que não favorece pacientes nem operadoras. Ao estipular regras claras, o STJ contribuiu para aumentar a eficiência do setor e, consequentemente, para reduzir o custo ao consumidor.

A questão ainda está mal resolvida para pacientes cujo tratamento não encontra amparo na lista da ANS. Mas aprovar um projeto aparentemente favorável ao usuário de planos sem levar em conta a realidade do mercado não encerra o assunto. Ao contrário. Entidades que reúnem as operadoras já anunciaram que recorrerão à Justiça se a lei for sancionada e dizem que reajustes serão inevitáveis. “Só estão esquecendo de avisar à sociedade que não é a operadora quem pagará a conta. É o próprio consumidor”, disse Vera Valente, diretora da FenaSaúde.

Independentemente da sanção da lei, a ANS tem o dever de atualizar e manter um rol de procedimentos que esteja em sintonia com os melhores tratamentos disponíveis. É a melhor defesa contra as ações judiciais movidas por mero oportunismo.