Título: Médici, no centenário de seu nascimento
Autor: Jarbas Passarinho
Fonte: Jornal do Brasil, 06/12/2005, Outras Opiniões, p. A13

No dia 4 de dezembro, se vivo, o general Emílio Médici faria 100 anos. Várias homenagens de admiradores cultuarão sua memória por todo o Brasil, homens de farda e civis, que nele agradecem o exemplo de vida de um grande patriota. Instado pelo Alto Comando do Exército, desambicioso, tudo fez para não suceder, em 1969, ao presidente Costa e Silva. Trouxe do Rio Grande uma proposta que defendeu sem êxito. Indicava dois parlamentares civis, que considerava ideais para assumirem a Presidência e a Vice-Presidência, garantes da consolidação do regime. Vencido, exigiu a redução de meses do mandato proposto e condicionou sua posse à reabertura do Congresso. Em seu discurso de posse anunciou que, ao cabo do mandato, entregaria o país redemocratizado. Iniciou o governo no auge da crise causada pelo seqüestro e posterior libertação do embaixador Elbrick, dos Estados Unidos, ao aceitar a Junta Militar as condições dos comunistas seqüestradores. Durante o seu mandato, enfrentou outros seqüestros e negociou as libertações observando o precedente criado com a libertação do embaixador americano. As guerrilhas, iniciadas em 1967, divididas em diversas facções, como de hábito das esquerdas, tinham entre as mais atuantes a Ação Libertadora Nacional (ALN) de Carlos Marighella, que praticava, também, o terrorismo, e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), chefiada por um sargento na clandestinidade, a que se filiou o capitão desertor Carlos Lamarca. Todas - e não só essas - foram vencidas durante sua gestão, mas restava a do PCdoB, no Araguaia, 70 combatentes rompidos com Moscou, China e Cuba, apoiados pela insignificante Albânia, o que o impediu de cumprir a promessa de entregar o poder aos civis. Bem disse Prestes que a aventura da luta armada tudo que causou foi a continuação do regime autoritário. Por haver desbaratado as guerrilhas urbanas, tem sido Médici alvo da ira que lhe devotam os remanescentes então vencidos. Tudo fazem para manchá-lo com a pecha de ordenador de torturas, que teria sido a razão de sua vitória. Mentira. De grande importância é salientar que as guerrilhas comunistas jamais obtiveram o apoio popular, condição essencial que lhes faltou. A tortura, que foi sempre política de Estado dos países comunistas, de Lênin a Fidel Castro, nunca foi política de governo do presidente Médici. Eu tive prova disso em um caso de que lhe dei conhecimento. Imediatas providências foram tomadas. O embaixador Mário Gibson Barbosa, em seu livro de memórias Na diplomacia, o traço todo da vida, relata que em duas reuniões do Conselho de Segurança, presentes todos os ministros de Estado, os chefes do EMFA, SNI, e dos Estados Maiores das três forças singulares, ''o presidente Médici declarou, em termos inequívocos, não admitir que se torturasse. Os nossos estão morrendo e têm o direito de revidar com as armas. Mas prender alguém, para depois submetê-lo à tortura, é um ato ignóbil. Proíbo, terminantemente''. Sirvo-me de seu testemunho de homem íntegro e altivo. Jamais cederia Mário Gibson Barbosa à inverdade ao relatar um fato histórico que viveu.

A política econômica do governo Médici logrou excelentes resultados até hoje não igualados. A dívida externa líquida era de US$ 6 bilhões e as exportações de mais de seis, traduzindo os melhores índices de solvência. Uma fração própria, 0,9 que hoje infelizmente é superior a 2,5. Significa que o pagamento da dívida podia ser feito em menos de um ano de exportações. Havia pleno emprego. Prova-o o testemunho insuspeito do hoje presidente Lula, em depoimento ao historiador Ronaldo Costa Couto, em 1997, constante do livro Brasil: 1964-1985, em que louva o resultado da política econômica: ''Naquela época, se tivesse eleições diretas o Médici ganhava. Era uma época de pleno emprego. Era um tempo em que a gente trocava de emprego na hora que a gente queria''. O Brasil alcançava a oitava economia do mundo e o povo aplaudia o presidente Médici, até no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, afeiçoado que era ao futebol. Desprovido de rancor, não cassou um único parlamentar, a despeito dos insultos soezes que lhe dirigiram nas tribunas do Parlamento ou fora dele, em comícios de estudantes na Universidade de Brasília. Nenhuma represália sofreram os insultadores habituais nem a Universidade, que um ano antes de sua posse fora invadida. Mesmo os estudantes oposicionistas só sofreram a pena de suspensão escolar, quando militantes leninistas de partidos dedicados à luta armada para a conquista do poder. Puniu desonestos, como o governador do Paraná por ele antes nomeado. Exemplar na conduta ética, quando decisão governamental permitiu aumento de preço de cavalos, o presidente que tinha uma estância em Bagé proibiu a venda dos seus até que o preço voltasse a baixar. Tendo amigos com aplicações no Banco Sul Brasileiro e na sua administração, não interferiu na liquidação do Banco, feita pelo ministro Delfim Netto. Prova do homem impoluto, que o poder não corrompeu.

Compreende-se que, nos ominosos tempos atuais, dos esquerdistas que chegaram ao poder (ajudados pelos antigos bajuladores dos presidentes militares), tenha sido o presidente Médici escolhido para ser o vilão da história recente. É o preço que paga o patriota, honrado e ético, o vencedor sem ódio, que impediu se transformasse o Brasil num satélite de Fidel Castro, o herói de muitos que se acham ou se acharam agora no poder.

*Jarbas Passarinho escreve no JB às terças-feiras, a cada 15 dias.