Correio Braziliense, n. 21869, 31/01/2023. Política, p. 3

“Marinho está ligado ao que há de pior do governo Bolsonaro”

Renan Calheiros.


Um dos principais estrategistas da campanha de recondução de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) à Presidência do Senado, na eleição que ocorre amanhã, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) usa a habilidade de quem já foi quatro vezes chefe do Congresso para levar o político eleito por Minas Gerais novamente ao posto mais importante do Parlamento. Pacheco vai para o confronto com Rogério Marinho (PL-RN) e Eduardo Girão (Podemos-RN).

Em entrevista em seu gabinete, ontem, Calheiros afirmou ao Correio que sua expectativa é de 55 votos a favor de Pacheco. Ele desenhou o papel institucional que o MDB tem na 57ª legislatura, fez elogios à candidatura à Presidência da República de sua correligionária Simone Tebet, hoje ministra do Planejamento e teceu críticas a seu arquirrival Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, que está na iminência de recondução ao cargo. “Torço para que o Arthur Lira de agora seja completamente diferente daquele Arthur Lira de então, parceiro de Bolsonaro, conspirando contra o Estado Democrático de Direito”, disparou. A seguir, os principais trechos da entrevista:

O senhor está trabalhando com afinco pela recondução de Pacheco. Por quê?

Estou ajudando, e o MDB está dedicado. Ele é franco favorito, e isso é bom. Espero que esse Senado mais pacificado tenha na reeleição do Rodrigo um momento para avançar.

Essa pacificação é o que está pautando a eleição da Casa neste ano?

Acho que precisamos ter uma pauta do Legislativo que não conflite com a do Executivo, mas uma pauta em que o Legislativo também tenha rumos com relação ao aprimoramento institucional e às prioridades da economia, como a reforma tributária.

Na semana passada, o senhor falou em 50 votos para Pacheco. Mantém esse número?

A expectativa é de que o Rodrigo tenha 55 votos, um pouco mais ou um pouco menos. Acredito que terá em torno de cinco votos do PL, três ou dois do PP, de maneira com os demais que ele já tem chega facilmente a 55 votos. Pode ser 57, 53. Estava havendo um probleminha no PSD, mas acho que já foi resolvido. Sempre tem gente querendo cavar espaço. O MDB está apoiando porque tem muito a questão democrática e institucional envolvida nesta eleição. Temos o vice-presidente, e seria muito importante se ele se mantivesse. Há postulação de outros partidos, mas é natural.

O senhor, inclusive, defende o chamado princípio da recondução natural. O que seria?

É um princípio mais amplo, o da recondução natural. A reeleição é mais ampla que uma eleição. O (Davi) Alcolumbre, por exemplo, está dentro do princípio da reeleição. Não estamos postulando nada. Queremos agregar. A reeleição do Rodrigo não é a eleição do Rodrigo puramente. É a eleição majoritariamente das pessoas que ocupam cargos da correlação de forças que estava governando na prática.

Na Câmara, porém, não funciona assim...

Tivemos uma distorção muito grande da representação parlamentar com o orçamento secreto. Então, o que estamos vendo nas Casas são resquícios do que aconteceu com relação à transformação do orçamento, que deveria ser público, em privado. Ainda vamos experimentar esse dissabor um período pela frente.

Ou seja: o senhor defende que a composição anterior do Senado é importante. Por quê?

Acho que o Marinho está muito ligado ao que há de pior do governo Bolsonaro, em que pese o respeito que tenho por todos os senadores eleitos, mas acredito que a candidatura dele é uma candidatura errada no momento errado.

Esclareça, por favor.

Pela proximidade com o governo anterior, marcado, sobretudo, por mentiras, ódio, negacionismo, genocídio, tentativa de golpe recentemente.

Acredita que a base do presidente Lula precisa tentar “enterrar” o governo Bolsonaro?

Acho que Bolsonaro precisa ser investigado. Essas investigações precisam ter continuação. Defendo a instalação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para que, a exemplo do que Judiciário e Executivo vêm fazendo, o Legislativo faça sua parte.

Mas o presidente Lula e nomes do governo já declararam não ser um bom momento para CPI...

Vou conversar com todo mundo, inclusive com o presidente Lula. Porém, acho que a melhor maneira de garantir uma audiência para esse golpe que não pode voltar a acontecer é por meio de uma CPI.

Há por parte de Marinho, também, a vontade de instalar uma CPI para o 8 de janeiro. Esse confronto de vontades acabaria como no ano passado, com a CPI do MEC, que não foi parafrente?

Ano passado era uma circunstância nova, porque todos estávamos em período eleitoral. Não é comum fazer uma CPI no período eleitoral. Mas nada grave pode ficar sem investigação.

Uma CPI é instrumento de minoria congressual. O senhor agora é base. Como fica?

Uma CPI será sempre um instrumento das minorias. O risco potencialmente se dá quando um fato grande não vai ser suficientemente investigado por uma comissão especial. Podemos ter o risco de que a minoria que tem direito à instalação de uma CPI possa ter esse direito assegurado por uma investigação.

O que tem de pauta para este ano no Senado?

Reforma tributária precisa andar. É a primeira vez que temos um governo decididamente comprometido com ela. Precisa ser resolvida neste primeiro semestre. A âncora fiscal também é uma demanda urgente. É preciso fazer essa substituição do teto de gastos por uma âncora que leve em consideração o superavit e o endividamento. Acredito que essa pauta também vá caminhar bem. O governo está se colocando. O Orçamento já foi parcialmente refeito, e o governo está trabalhando para se consolidar e retomar os investimentos, como a habitação popular.

Tem alguma crítica ao governo Lula até o momento?

Acho que o presidente Lula fez o desenho recomendável para a coalizão e que, a partir de agora, isso vai ser executado pelos partidos, pelos blocos. Sou otimista com relação às perspectivas e quero colaborar para que isso aconteça.

O senhor se reuniu, semana passada, com Pacheco, Alcolumbre, Eduardo Braga. Encontrou-se no domingo novamente. O que precisa ser azeitado com os mesmos senadores?

É natural que nestes momentos a gente converse mais. Estávamos todos desmobilizados, nos estados. Voltamos a Brasília. Então, é importante conversar para mantermos uma direção.

O senhor e Arthur Lira são incontestáveis opositores. Como lê essa continuação dele na presidência da Câmara?

Acho que o orçamento secreto cumpriu um papel importante na formação de uma casta de dirigentes no Congresso Nacional, mas não é somente isso. Torço para que o Arthur Lira de agora seja completamente diferente daquele Arthur Lira de então, parceiro de Bolsonaro, conspirando contra o Estado Democrático de Direito. Espero que ele seja o oposto de tudo isso a partir de agora.

As eleições de 2024 estão na discussão da Presidência do Senado?

Acho que não. A partir de agora, com o fim do orçamento secreto, vamos ter de volta à política como ela sempre foi. Acho que as próximas eleições ocorrerão num novo cenário, com o orçamento público com parlamentares igualitários na representação, na atração de investimentos para seus estados. Vamos ter essas regras novamente.

Muito se falou, em 2022, que a candidatura à Presidência da então senadora Simone Tebet simbolizava, também, um novo olhar para o MDB. Uma reconstrução do partido. Concorda com essa visão?

A candidatura dela cumpriu um papel no primeiro turno, com debates e encaminhamentos de algumas propostas, e esse papel foi reafirmado no segundo turno, no apoio à candidatura do presidente Lula. Acho que o MDB, que continua a ser um dos maiores partidos do Brasil, tem que antever uma posição clara com relação ao seu futuro, em que todos devemos colaborar. Mas o papel da Simone é importante também. 

Pacheco é favorito, mas como será para o senhor e seu grupo se Marinho vencer?

Acho que o favoritismo do Rodrigo é indiscutível. Não vejo risco algum com relação à possibilidade de vitória de Marinho.

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