Título: O relato da corrupção
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 07/12/2005, País, p. A4

Em depoimento à CPI dos Bingos ontem, a jornalista Mara Gabrilli, filha do empresário do setor de transportes Luiz Alberto Gabrilli Filho, confirmou ter relatado em 23 de março de 2003 ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva o suposto esquema de cobrança de propina do qual seu pai teria sido vítima e que funcionaria na administração municipal de Santo André antes de o prefeito Celso Daniel (PT) ser assassinado.

Ela disse ainda ter recebido uma sugestão de forma ''imperativa'' de um assessor do presidente Lula para que não comentasse o assunto do encontro, que durou cerca de 40 minutos no apartamento do petista em São Bernardo do Campo (SP). A sugestão do assessor era que Mara citasse como tema da conversa o projeto de reabilitação de deficientes físicos que desenvolvia à época. Mara ficou tetraplégica em um acidente de carro.

A jornalista não sabia o nome do assessor, descrevendo-o apenas como alto e de barba. Ela afirmou que o presidente não se mostrou surpreso com o relato das supostas irregularidades em Santo André, mas aparentou estar ouvindo o caso pela primeira vez. Lula também se comprometeu, segundo ela, a averiguar, porém não teria dado resposta.

Nesta época, a polícia havia encerrado a investigação da morte de Celso Daniel, ocorrida em janeiro de 2002. A família Gabrilli, que controla um terço das linhas de ônibus em Santo André, também já tinha denunciado ao Ministério Público (MP) o suposto esquema de cobrança de propina, cujo dinheiro seria destinado em parte à campanha política do PT. Mara disse ontem ter sido a primeira da família a procurar o MP para denunciar o caso, dias após a morte do prefeito de Santo André.

- Não acho que o presidente Lula deu a importância e a dimensão que realmente deveria ter o assunto - afirmou Mara, que é filiada ao PSDB desde o ano passado e atualmente chefia a pasta da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida da Prefeitura de São Paulo.

A jornalista relatou também que o presidente mudava de assunto, porém quis saber qual seria o valor cobrado no esquema, ouvindo como resposta R$ 500 por ônibus.

- O presidente fez uma exclamação e disse achar que o Sérgio Gomes e as outras pessoas já estivessem afastadas da prefeitura - disse.

Gomes da Silva é apontado pelo MP como o mandante da morte de Celso Daniel. As outras pessoas seriam Klinger Souza, então secretário de Serviços Urbanos, e o empresário Ronan Maria Pinto, todos acusados de envolvimento no esquema. A jornalista acrescentou que depois de ouvir a denúncia o presidente fez três promessas.

- Ele prometeu averiguar o que estava acontecendo, pediu que dona Marisa visitasse o projeto que eu desenvolvia e pegou meu endereço para enviar uma foto que tiramos juntos. Não cumpriu - disse.

Segundo ela, também estavam no encontro três assessores e a primeira-dama Marisa Letícia. Esse relato levou senadores de oposição a criticarem o presidente. O senador José Jorge (PFL-PE) chegou a falar em operação-abafa do caso com a participação de Lula:

- O presidente deveria ter chamado o ministro da Justiça e pedido que a Polícia apurasse o caso. Gostaria de incluir o presidente na operação-abafa.