Valor Econômico, v. 20, n. 4978, 09/04/2020. Brasil, p. A4

Nas favelas, 71% apoiam quarentena

Bruno Villas Bôas 


Nas favelas brasileiras, 71% dos moradores discordam do presidente Jair Bolsonaro sobre as pessoas começarem a deixar a quarentena provocada pela pandemia do novo coronavírus e manter apenas os grupos de riscos em isolamento, mostra pesquisa realizada pelo institutos Data Favela /Locomotiva em 269 favelas entre os dias 4 e 5 de abril.

A posição contrária ao isolamento vertical ocorre apesar das dificuldades enfrentadas nas comunidades. A pesquisa mostra que 82% dos moradores das favelas tiveram redução na renda por causa da pandemia e que 53% têm comida armazenada suficiente para um período de apenas mais uma semana.

“Os moradores de favelas são contrários à quarentena vertical porque não querem ter que escolher entre a saúde e o pão”, explica Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva. “É preciso que o governo faça distribuição de renda ou teremos um problema de convulsão social.”

Bolsonaro chegou a sinalizar, em entrevista, que já teria “pronto na mesa” um decreto que terminaria com a quarentena total e entrou em divergência com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, sobre a melhor forma de enfrentar a pandemia.

Meirelles conta que 44% dos moradores declararam estar recebendo doações de alimentos - de amigos, parentes ou de ONGs. Para receber os produtos de alimentação e higiene, porém, 61% desses precisaram sair da comunidade para buscar esse auxílio, elevando o risco de contaminação nas favelas.

A preocupação com a saúde é bastante elevada nas favelas. Dos moradores entrevistados, 75% estão muito preocupados com a própria saúde.

A pesquisa mostra também que 90% dos moradores estão muito preocupados com a saúde de parentes mais velhos.

Como é sabido, porém, as comunidades têm problemas de abastecimento de água e de coleta de esgoto, o que limita praticar as orientações de higiene emitidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Do total de lares das favelas, 47% não têm nem sequer fornecimento de água e quase 15% das famílias não têm sabonete.

Celso Athayde, fundador da Central Única das Favelas (Cufa), diz que recebeu doações de mais de 600 toneladas de alimentos e itens de higiene e limpeza para distribuir nas comunidades nos últimos 15 dias. São doações de empresas como JBS, Natura, Ambev, Assaí e Marisa, além da Fundação Casas Bahia.

“Estamos recebendo doações de ovos, água, sabonetes, cestas básicas, chocolates e álcool em gel. Só de carne uma empresa doou 50 toneladas”, explicou Athayde. “Mas na nossa logística levamos até a casa dos moradores.”