Título: Transformações no mundo do trabalho
Autor: Wagner Balera*
Fonte: Jornal do Brasil, 07/12/2005, Outras Opiniões, p. A11

É fora de dúvida que o mundo do trabalho se acha em fase de crescente, notável e dinâmica transformação. Desde que os operários organizaram-se em torno das corporações até a moderna sistemática das cooperativas de trabalho vai uma distância onde as variações em torno do mesmo tema são legião. É natural que assim seja. Ninguém mais imagina a criação de postos de trabalho na linha de produção de uma fábrica como proposta inicial de atividade. O fenômeno da terceirização tornou caduca tal idéia, assim como já não se cogita mais da permanência de um trabalhador na mesma empresa por 20, 30 ou 40 anos. Os tempos são outros e as realidades, também.

Por detrás de tudo isso há diversos fatores cuja abordagem completa se tornaria impossível nos estreitos limites desta breve reflexão. Mas alguns são evidentes. E um dos que falam mais alto é o dos pesados encargos sociais que oneram a produção e, notadamente, o fator trabalho. Muito mais do que o trabalhador leva para casa como produto do seu trabalho leva o Estado e sua imensa e ávida burocracia, em inversão de valores injustificável e insustentável.

Evidentemente, diante de um quadro tão desalentador, os atores sociais buscam encontrar novos caminhos para oferecerem sua força de trabalho, posto que não querem ficar dependentes dos modestos programas de proteção social nem muito menos na cada vez maior zona de exclusão social. Esta última, aliás, já conta com mais de 40 milhões de brasileiros, muitos dos quais nunca tiveram acesso ao primeiro posto de trabalho.

Nenhuma reforma previdenciária - já foram realizadas três, desde 1988, portanto os preceitos constitucionais estão sendo substituídos a uma velocidade média de 4,5 anos - terá sucesso se não caminhar na direção de novos modelos de financiamento dos programas de seguridade social e de mais moderno relacionamento entre o Poder Público e os empresários e trabalhadores.

O que se vê, além do multiplicar das reformas previdenciárias, sem que nada de substancial se altere em favor dos trabalhadores e de seus dependentes, é a crescente mudança de interpretação dos agentes públicos a respeito das relações de trabalho que, em conformidade com os permissivos legais, buscam conformar-se às transformações do mundo do trabalho a que acima fiz referência.

''Assistimos, perplexos, ao deliberado e sistemático comportamento das autoridades fiscais que, baseados em parcas e ilegais interpretações administrativas, resolvem desconsiderar legitimas organizações jurídicas de trabalhadores para enquadrá-las como pessoas físicas.''

Muitos são os trabalhadores que, em plena consonância com as diretrizes da legalidade previdenciária e fiscal, preferem oferecer serviços por intermédio de suas próprias empresas, situando-se em posição mais flexível para a disputa com a concorrência. Quanto mais especializada a atividade, aliás, mais valioso é o tempo de utilização do trabalho daquele profissional por determinada empresa. O mais comum é que alguém seja contratado para certa e determinada tarefa, durante certo tempo.

A vetusta figura do autônomo, surgida nos anos 60, também não corresponde mais à realidade do mundo do trabalho, onde são crescentes as exigências da burocracia fiscal para que alguém mantenha suas atividades em ordem, como querem e desejam as pessoas de bem.

Assistimos, perplexos, ao deliberado e sistemático comportamento das autoridades fiscais que, baseados em parcas e ilegais interpretações administrativas, resolvem desconsiderar legitimas organizações jurídicas de trabalhadores para enquadrá-las como pessoas físicas e delas sacarem impostos e contribuições sociais mais elevados.

Portanto, o Estado que, na esfera social foi chamado a atuar como ente tutelar dos interesses dos trabalhadores - é o valor social do trabalho que anima a Ordem Social, afirma a Constituição de 1988 - passa a agir por simples ganância fiscal, contra os interesses dos trabalhadores; destroçando suas possibilidades, já difíceis, de alocação de mão de obra. Tudo em nome, é claro, do ajuste fiscal!

A liberdade de iniciativa não é apanágio do capital, no Brasil. É conquista do Estado de Direito da qual podem, e devem, beneficiar-se os trabalhadores que, naturalmente, ordenam sua força de trabalho diante das novas e promissoras realidades. Devem, sim, aproveitar-se de todas as oportunidades para alocarem suas especialidades a serviço de quem deles venham a necessitar.

Imaginemos alguém cuja notória especialização é por todos reconhecida, em qualquer dos campos da atividade laborativa: nas artes, nos ofícios, na produção de conhecimentos, informações e idéias. Tal profissional, obviamente, é - e deve ser - uma patente referência no mundo do trabalho. Seu enquadramento nos estreitos limites de um contrato de trabalho não é solução que convenha nem a ele nem tampouco a quem queira contar com o seu talento e conhecimento.

A simplificação das estruturas fiscais e previdenciárias se nos afigura como exigência para o desenvolvimento não apenas das oportunidades de trabalho, num mundo que se transforma com a velocidade das comunicações pela Internet e por outros canais cada vez mais velozes, como igualmente para a melhor performance do aparelho fiscal.

Faz falta um choque de simplificação. Assim como alguém, em boa hora, bolou um ''Simples'' ''para o pequeno empresário; assim como alguém lançou na Constituição, na mais recente reforma previdenciária, um 'Simples' para as donas-de-casa, está fazendo falta um 'Simples' para os trabalhadores.

O que vemos, no entanto, é o oposto. Vemos a burocracia empedernida, acomodada nos seus vetustos preconceitos e praxes antigas. Sempre disposta a tudo resolver com ordens de serviço afrontosas à legalidade e que só mostram o arreganhar dos dentes do leão voraz.

*Professor Titular na PUC de São Paulo e advogado especializado em Direito Previdenciário.