O Globo, n. 32470, 01/07/2022. Economia, p. 13

Precedente perigoso

Manoel Ventura


O Senado aprovou ontem, em dois turnos, a proposta de emenda à Constituição (PEC) Eleitoral, que institui até o fim do ano um estado de emergência no Brasil. O objetivo é viabilizar a criação e a ampliação de uma série de benefícios sociais a três meses das eleições. O texto segue agora à análise da Câmara, onde se espera que seja votado na próxima semana. A aprovação dessa PEC, segundo juristas, abre um precedente perigoso e irreversível, pois pode permitir que qualquer pretexto seja usado tanto para driblar a lei eleitoral como para afrontar a Constituição, criando um “vale-tudo eleitoral”.

Durante a votação, o custo das medidas subiu de R$ 38,7 bilhões para R$ 41,2 bilhões, com a inclusão de um benefício mensal de R$200 para taxistas e ampliação do programa Alimenta Brasil. No primeiro turno, a PEC foi aprovada por 72 votos a favor e 1 contrário. No segundo turno, por 67 votos a favor e 1 contrário. O único voto contra foi o do senador José Serra (PSDB-SP).

Em uma rede social, ele justificou o voto, afirmando que a PEC é uma bomba fiscal . “Essa PEC viola a Lei de Responsabilidade Fiscal e fura o teto de gastos”, escreveu. “O pretexto foi defender quem mais precisa, mas isso deveria ser feito de outra forma”, acrescentou. A senadora Simone Tebet (MDB-MS), pré-candidata à Presidência, votou a favor.

Impacto na campanha

Os benefícios que somam R$ 41,2 bilhões, aprovados só até o fim do ano e pagos fora das regras fiscais incluem aumentar o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, além de mecanismo para zerar fila do programa, ampliação do vale gás, que passa a ser equivalente a um botijão de 13kg a cada dois meses, criação do vale-caminhoneiro no valor de R$ 1 mil por mês, gratuidade do transporte público para maiores de 65 anos, subsídios para o etanol, criação de benefício mensal de R$ 200 para taxistas e ampliação do programa Alimenta Brasil.

Os auxílios foram desenhados pelo governo e são vistos pelo Planalto como a chance de alavancar a campanha do presidente Jair Bolsonaro à reeleição, afetada por escândalos entre aliados, como o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro e o ex-presidente da Caixa Pedro Guimarães. O senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) criticou a PEC, mas acabou votando a favor:

— Estamos quebrando a Lei de Responsabilidade Fiscal, a regra de ouro, o teto de gastos, a Lei Eleitoral. Estamos quebrando muita coisa, estamos abrindo uma exceção enorme — afirmou, acrescentando que não tinha como ser contra, pois se sentiria um “monstro” por votar contra medida que auxilia quem tem fome.

Voto a favor da oposição

Mesmo criticado por senadores da oposição e juristas, foi mantido no texto a instituição de um estado de emergência para driblar a lei eleitoral. A legislação proíbe concessão e criação de benefícios no ano do pleito, exceto em casos de calamidade ou emergência. O objetivo é evitar que governantes abramo caixa antes da eleição em busca devoto. Para contorna ralei, o texto prevê o estado de emergência relacionado ao preço dos combustíveis. Para juristas, trata-se de ação inconstitucional, que abre precedente para que governantes tornem eleições numa espécie de “vale-tudo”.

“Fica reconhecido, no ano de 2022, o estado de emergência decorrente da elevação imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais deles decorrentes”, diz o texto da PEC.

Durante a análise da proposta, houve uma preocupação especialmente com um dos incisos do projeto. O risco, disseram, era criar um cheque em branco. O inciso dizia que, durante o estado de emergência, seria observada a “não aplicação de qualquer vedação ou restrição prevista em norma de qualquer natureza”. O relator, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), tirou o trecho.

— Não haverá brecha ou espaço para novas medidas ou ampliação de gastos dessas mesmas medidas — disse ele.

Senadores da oposição criticaram a instituição do estado de emergência, mas mesmo assim votaram a favor.

— Estado de emergência é coisa muito séria para ficar se decretando a cada momento. Porém, isso não pode pesar mais que os benefícios. Mas usar estado de emergência é intolerável — disse Jean Paul Prates (PT-RN).

Zenaide Maia (PROS-RN) afirmou que vota a favor da PEC, mesmo com críticas:

— É claro que nós votamos a favor da PEC, porque quem tem fome, tem pressa. Essa PEC é uma maneira de burlar a lei eleitoral.

Benefício a taxista

Apesar de a PEC ser patrocinada pelo governo, a autoria formal do texto é de parlamentares. Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) foi o relator. Bolsonaro comemorou a aprovação da medida:

— Auxílio Brasil vai de R$ 400 para R$ 600, tem o auxílio-caminhoneiro de R$ 1 mil. Sei que é pouco, sei que caminhoneiro gasta bastante combustível, mas é uma ajuda que nós estamos dando aqui, e vamos dobrar também o valor do vale-gás. E vem mais coisa sobre redução de impostos de combustíveis nesta PEC.

Durante a discussão, o governo aceitou incluir benefício mensal de R$ 200 mensais para taxistas, limitado a R$ 2 bilhões. Os motoristas de aplicativo não serão beneficiados. Bezerra disse que as medidas serão pagas com receitas extraordinárias, como a privatização da Eletrobras e dividendos de estatais (Petrobras e bancos públicos).