Valor Econômico, v. 20, n. 4978, 09/04/2020. Política, p. A9
Campos Neto negocia Orçamento de guerra
Renan Truffi
Vandson Lima
Estevão Taiar
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, foi acionado pelo governo para entrar na articulação da proposta de emenda constitucional (PEC) do Orçamento de guerra, que cria um regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações, no qual o governo não precisará respeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) nem a regra de ouro. Como forma de tentar diluir as resistências do Senado, Campos Neto deve manter diálogo direto com os parlamentares, a começar por uma videoconferência marcada para hoje.
O pedido para que o presidente do BC entre no circuito da articulação política partiu do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). A razão é que o assunto tem dividido as bancadas na Casa principalmente no que se trata da ampliação dos poderes do Banco Central, algo que também está previsto no texto enviado pela Câmara dos Deputados. A principal discórdia é o trecho que dá ao BC autorização para compre e venda de títulos do Tesouro e privados, além de outros ativos, durante a atual calamidade pública.
De acordo com o texto aprovado pelos deputados, o Banco Central passa a poder adquirir “o direito creditório e títulos privados de crédito em mercados secundários, no âmbito de mercados financeiros, de capitais e de pagamentos”, concedendo crédito para as empresas, sem necessitar da intermediação dos bancos. Essas operações privadas dependeriam do aval do Tesouro Nacional, que teria de bancar 25% do valor.
Campos afirmou no fim de semana que, aprovada a PEC, caberá ao Conselho Monetário Nacional (CMN) definir o crédito que “poderá ser comprado, quais setores serão elegíveis e qual é o tipo de risco que o BC poderá tomar com dinheiro da sociedade”. Ainda assim, essa
possibilidade desagradou.
O líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), é favorável à atuação do BC no mercado secundário, mas afirma que a proposta precisa obedecer a “regras claras”. “Quais serão os critérios? Por que o BC comprou a ação da Marfrig e não comprou da JBS?”, diz, citando um exemplo hipotético. “O Campos Neto quer ter o mercado secundário para que ele possa agir nesse mercado. Eu só aceito isso sob condições e regras para que isso não vire um BNDES. [Do jeito que está] é um BNDES disfarçado, um PPI disfarçado.”
Braga tem sido um porta-voz dessa insatisfação. Ele conversou com Campos Neto e com o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre o assunto nos últimos dias. O Valor apurou que Fernando Bezerra Coelho deve tentar construir uma conciliação para que essas regras fiquem “mais explícitas” na proposta, o que facilitar a aprovação da medida. O líder do governo planeja fazer essas mudanças por meio de emenda de redação para que a PEC não precise retornar à Câmara.
Outra possível alteração deve ser feita justamente na condição de que o Tesouro desembolse ao menos 25% dos recursos em uma operação de crédito. Segundo Braga, tanto o presidente do BC como o governo não veem necessidade de que a proposta estabeleça esse percentual mínimo. Por conta disso, o trecho deve ser suprimido.
Diante do cenário adverso, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), escolheu o vice-presidente da Casa, Antonio Anastasia (PSD-MG), para relatar a PEC, que deve ser votada na segunda-feira. Reconhecido pelo perfil técnico e por seu amplo conhecimento do regimento, Anastasia tem credibilidade junto aos colegas para fazer alterações consideradas complexas.
Por fim, o Senado também terá de ajustar o texto à recomendação feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A Corte aprovou a orientação de que governo e Congresso Nacional instituam mecanismos que possibilitem a identificação precisa de todos as despesas relacionadas ao chamado Orçamento de guerra. O órgão prefere não tratar do assunto como um Orçamento paralelo, ou Orçamento de exceção, mas sim como um “regime excepcional de regras fiscais”. (Colaborou Murillo Camarotto)