Valor Econômico, v. 20, n. 4978, 09/04/2020. Especial, p. A14

Estados estimam perder de 20% a 30% de receita em abril

Marta Watanabe 



Além do impacto da covid-19 na atividade econômica, a inadimplência também ameaça a receita dos Estados. As projeções para a arrecadação de abril, referente às operações de março, vão de queda de 19% a 32% e contemplam não só a redução do valor em notas fiscais emitidas, mas também o atraso no pagamento do Imposto obre Circulação de Mercadorias e  Serviços (ICMS) devido.

Para a inadimplência, as projeções apontam altas que elevam taxas históricas de 4% ou 5% para níveis de 10% ou 20% em alguns Estados, em caso de cenários mais críticos.

Em São Paulo, a queda é de 19% na arrecadação de ICMS de abril, referente ao mês de março, quando a maioria dos Estados e prefeituras adotaram o isolamento social como estratégia de contenção do coronavírus. O número consta de relatório apresentado pelo governador João Doria (PSDB) em reunião ontem com empresários, juntamente com o secretário de Fazenda e Planejamento do Estado, Henrique Meirelles, e a secretária de Desenvolvimento Econômico, Patricia Ellen.

“Em vez de R$ 12,7 bilhões em abril, estamos arrecadando R$ 10,3 bilhões, uma perda, portanto, de R$ 2,4 bilhões, referente ao ICMS cobrado de março”, informou Meirelles ao Valor. Considerando queda de 5% do PIB neste ano, como veem projetando analistas de vários bancos, o Estado de São Paulo, revelou o secretário, terá perda estimada de R$ 16 bilhões em 2020. “Não tem outra saída. Teremos que fazer um corte forte nas despesas”, disse Meirelles.

Os dados consideram a queda de faturamento em março calculada com base na notas fiscais do mês. Na indústria, exemplifica o relatório, o faturamento de 15 de março a quatro de abril caiu 47% em relação à média observada em 2020 antes da pandemia.

A projeção do governo paulista também contempla a postergação do pagamento dos impostos concedida às empresas do Simples Nacional e o aumento da taxa de inadimplência esperada de 5% para 10%.

Para 2020, o relatório mostra dois cenários. Com queda de PIB de 1% para este ano - considerando o boletim Focus divulgado pelo Banco Central -, o governo paulista estima queda de 7% na arrecadação de ICMS em 2020. Para queda de PIB de 4,4%, considerando projeção divulgada pela Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), a queda de receita com o imposto estimada é de 11%.

A projeção, segundo o relatório, baseou-se no efeito observado nos últimos dias de março e no início de abril e considera a concentração do impacto econômico nos meses de abril a julho deste ano. Segundo o secretário Meirelles, a queda de receitas em 2020 deve demandar medidas de controle na ponta dos gastos do governo.

No Mato Grosso, o efeito da inadimplência é uma preocupação adicional ao impacto da crise de demanda com a covid-19, diz o secretário de Fazenda do Estado, Rogério Gallo. Segundo estimativas do governo estadual, a taxa atual ordinária de inadimplência para o ICMS, de 4% da arrecadação, pode chegar a 20%, na pior das hipóteses.

Com base na evolução semanal de emissão de notas fiscais, a Fazenda matogrossense estima que a arrecadação de abril deve cair 32% em abril e 42% no período de abril a junho deste ano. As projeções consideraram a emissão de notas fiscais eletrônicas. Os dados obtidos após as medidas de restrição com a pandemia foram comparados com a média de faturamento tributável diário de janeiro e fevereiro deste ano.

Segundo Gallo, as análises de arrecadação do Estado serão atualizadas semanalmente para monitorar o nível de atividade econômica. Ele ressalta que o efeito na arrecadação depende da duração das medidas restritivas e a inadimplência, da eficiência das medidas do Banco Central para reforço de caixa das empresas.

Para Gallo, parte dos impactos na demanda podem ser contornados com a manutenção de um padrão mínimo de renda para a população.

O secretário lembra que cerca de 40% da receita de ICMS em Mato Grosso e em boa parte dos Estados baseia-se no consumo de combustíveis e energia elétrica, fortemente impactados com a baixa atividade econômica.

Em Alagoas ainda não há dados da projeção de receita com o ICMS para abril, diz o secretário de Fazenda, George Santoro, mas há preocupação com a inadimplência.

A arrecadação até ontem estava cerca de 45% abaixo da esperada para esse período do mês. Parte das guias emitidas, diz, não estão sendo pagas.

“Eu esperava arrecadar até agora R$ 15 milhões e recolhemos apenas R$ 8 milhões”, contabiliza o secretário. A expectativa de receita para o período, diz, baseou-se na arrecadação de igual período de 2019, de forma compatível com os dados das notas fiscais emitidas.

Santoro explica que o vencimento do imposto esperado no período será no dia 10 de abril, mas o nível de pagamentos está abaixo do habitual. A ideia, afirma o secretário, é esperar o primeiro decêndio do mês para avaliar de forma mais concreta para analisar tanto o efeito da demanda quanto da inadimplência na arrecadação do Estado. “Parece que há uma quebra na confiança fazendo com que as empresas deixem de pagar com receio de ficar sem caixa”, diz Santoro.

A análise do economista Kleber Castro, sócio da Finance Consultoria, vai no mesmo sentido. Ele explica que o atraso no pagamento de impostos costuma ser a primeira forma de financiamento das empresas.

“A pandemia trouxe uma crise com impacto muito rápido na atividade econômica e no fluxo de caixa das empresas que, para se protegerem, veem na postergação de impostos uma forma fácil e barata de financiamento”, diz Castro.

Não tão barata quanto já foi nos períodos em que as taxas de juros do país eram bem mais altas, mas um “crédito” ainda de fácil acesso. Para ele, é importante que as medidas de injeção de liquidez do Banco Central (BC) não gerem empoçamento de crédito nos bancos, caso contrário, o recurso para capital de giro não chegará na mãos dos empresários.

O governo federal, diz Castro, está certo em se preocupar com os empregos. “Mas também precisa se preocupar com a arrecadação de Estados e municípios que são os que, na ponta, prestam os serviços de saúde, além de outros essenciais.”

No Rio Grande do Sul a perda estimada para o mês de abril é de R$ 700 milhões tanto em ICMS quanto em IPVA, o imposto cobrado sobre a propriedade de veículos automotores.

A arrecadação prevista anteriormente para o mês com os dois tributos era de R$ 4 bilhões, informa o secretário da Fazenda gaúcha, Marco Aurelio Cardoso.

O secretário do Rio Grande do Sul explica que na primeira semana em que começaram a vigorar as medidas de quarentena adotadas pelo governo, o valor em emissão de notas eletrônicas cresceu 14,7% considerando a média diária de igual período de 2019. Nas semanas seguintes, porém, foi verificada uma queda brusca nas emissões, que chegou a 33,9% de 28 de março a três de abril.

Para Cardoso, os efeitos na taxa de inadimplência só deverão ficar claros na próxima semana. (Colaborou Cristiano Romero)