Valor Econômico, v. 20, n. 4978, 09/04/2020. Política, p. A10

Líderes da oposição defendem mudar data da eleição

Cristiane Agostine


Lideranças nacionais da oposição defenderam ontem a mudança da data da eleição municipal, mas rejeitaram que o mandato de prefeitos e vereadores de todo o país seja prolongado em meio à pandemia do coronavírus.

Em debate virtual promovido pelo UOL, os ex-candidatos à Presidência Fernando Haddad (PT) e Guilherme Boulos (Psol), a deputada estadual Manuela D’Ávila (PCdoB) e o líder do PSB na Câmara, Alessandro Molon (RJ), afirmaram que a votação, prevista para outubro, poderia ser feita em novembro ou dezembro, garantindo que os atuais prefeitos e vereadores terminem o mandato em 31 de dezembro deste ano.

Para Haddad, prorrogar mandato é “um absurdo, é coisa da ditadura”. “Não tem nada a ver com o regime democrático”, disse. O ex-prefeito defendeu um possível adiamento do primeiro turno, mas afirmou que os prefeitos não devem ficar “um único dia” além do previsto no mandato.

Molon afirmou que a eventual prorrogação do mandato foi uma das marcas da ditadura. “A última vez que se fez isso esperamos 25 anos para votar de novo. Se ficar claro que tem que adiar as eleições, a gente vai fazer com responsabilidade, mas sem permitir que se pegue carona na crise para prorrogar [o mandato] por dois anos.”

Pré-candidata à Prefeitura de Porto Alegre, Manuela disse que é possível adiar as eleições “por um ou dois meses”, desde que não haja a prorrogação do mandato. Na mesma linha, Boulos, pré-candidato à Prefeitura de São Paulo, afirmou que “a pandemia não pode ser pretexto para mandatos biônicos” e criticou a proposta do deputado Aécio Neves (PSDB-MG) de cancelar as eleições deste ano. O tucano apresentou uma proposta de emenda constitucional para unificar as eleições em 2022.

Na entrevista, as lideranças da oposição afirmaram que não há clima para o impeachment do presidente Jair Bolsonaro e alertaram sobre os riscos da tutela militar que tem marcado o governo. Apesar das críticas à atuação do presidente no enfrentamento da pandemia do coronavírus,

representantes da esquerda e da centro-esquerda avaliaram que o processo para afastar Bolsonaro tiraria o foco do combate à covid-19 e analisaram que não têm o apoio necessário da população.

“Parte da população precisa de agarrar em alguma esperança”, disse Molon, ao comentar pesquisa Datafolha que mostra que 33% da população aprovam a gestão Bolsonaro, 40% acreditam que o presidente mais ajuda do que atrapalha no combate à crise e 59% são contrários à renúncia. A pesquisa revela, no entanto, que para 51% dos brasileiros

Bolsonaro mais atrapalha do que ajuda no combate à pandemia e 37% são a favor da renúncia.

Haddad afirmou que quase todos os líderes do mundo, com exceção de Bolsonaro, viram suas taxas de aprovação aumentarem durante a pandemia, por buscarem a unidade nacional contra um inimigo comum, o coronavírus. “Ele é um dos poucos líderes que perderam popularidade”, disse o ex-prefeito.

Segundo o Datafolha, a avaliação negativa do desempenho do presidente aumentou seis pontos percentuais nas duas últimas semanas. Apesar do desgaste, Molon disse que a situação do país é “grave demais” para a população apoiar o impeachment. “Embora a população perceba a incapacidade de [Bolsonaro] conduzir, teme que o Congresso e o mundo político gastem energia com um processo como do impeachment”, afirmou o deputado.

Manuela disse que ainda é preciso construir uma unidade das forças políticas para pensar no pós-Bolsonaro. Na mesma linha, Boulos disse que o presidente “perdeu as condições de governar o Brasil”, mas pondera que tirá-lo do cargo na atual conjuntura não será fácil. Para o ex-candidato do Psol à Presidência, políticos e entidades como a OAB e CNBB devem se unir para construir as condições para tirar o presidente.