Valor Econômico, v. 20, n. 4978, 09/04/2020. Internacional, p. A11

Previsões de queda dos PIBs e do comércio global indicam recessão severa

Assis Moreira


Uma série de previsões sobre produção e comércio global divulgadas ontem apontam para uma profunda recessão nas maiores economias do mundo, num momento em que a pandemia da covid-19 continua se propagando e causando mortes pelo mundo.

A Alemanha e a França, as duas maiores economias da Europa, devem entrar numa recessão histórica, na esteira da paralisação das atividades e do confinamento. A pandemia deflagrará uma severa queda de 9,8% no PIB alemão entre abril e junho, com danos sérios no mercado de trabalho e no orçamento do governo.

Na França, o Banco Central confirmou que a economia entrou em recessão, com a atividade paralisada pela pandemia. O PIB encolheu 6% no primeiro trimestre, a pior retração desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Setores de construção e serviço registram baixas de mais de 50% em suas atividades por causa do confinamento.

A situação é devastadora para as principais economias como um todo, segundo os Indicadores Compostos Avançados (ICA) da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que procuram prever momentos de inflexão da atividade econômica com seis a nove meses de antecedência.

Os indicadores mostram desta vez que o crescimento nas principais economias do mundo sofreu a mais forte queda desde que o índice é compilado. Desta vez, em praticamente todas as grandes economias a sinalização é de “forte desaceleração”, quando até o mês passado havia indicações de “crescimento estável”.

Em um índice em que 100 representa a média de longo prazo, o dos países da OCDE como um todo caiu de 99,6 para 98,8. Na zona do euro, recuou de 99,4 para 98,2. Nas cinco grandes economias da Ásia (China, Índia, Indonésia, Japão e Coreia do Sul), o índice baixou de 99,2 para 99,0. E nas sete grandes economias que formam o G7, passou de 99,5 para 98,6.

Na China, especificamente, o índice baixou de 99,1 em fevereiro para 98,8 em março. No Brasil, passou de 101,8 em fevereiro para 100,8 em março.

Só a Índia tem a sinalização de “desaceleração” em vez de “forte desaceleração” como as outras grandes economias. No entanto, a OCDE desta vez alerta que nos próximos meses, em particular, será necessária cautela na interpretação de seus indicadores.

O banco suíço UBS prevê agora queda de 5,2% na economia dos EUA em 2020, comparado à alta de 2,3% no ano passado. Isso anula vários anos de crescimento, em pouco tempo de vírus. Discussões agora em Washington prosseguem sobre um novo pacote de estímulo fiscal no valor de US$ 1 trilhão, ou 5% do PIB, somando-se aos US$ 2,2 trilhões já aprovados.

Sem surpresa, a Organização Mundial do Comércio (OMC) confirmou o colapso das exportações e importações, com previsão de contração entre 13% e 32% neste ano, em linha com o que o Valor revelou na semana passada e tão severo quanto na Grande Depressão dos anos 1930.

“As cifras são feias, não há outra coisa a dizer”, reagiu o diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo. “Mas uma retomada rápida e vigorosa no comércio é possível. As decisões tomadas agora determinarão os contornos da recuperação no futuro e as perspectivas do crescimento global. Comércio será um ingrediente importante, ao lado das políticas fiscal e monetária.”

O comércio cai mais nos setores com complexas cadeias de produção, como eletrônicos e automotivos. Os serviços são especialmente afetados pela covid-19, com as restrições nos transportes e viagens.

O comércio global de mercadorias já tinha encolhido 0,1% em 2019, por causa das tensões comerciais e desaceleração do crescimento. Em valor, as exportações de mercadorias em 2019 caíram 3%, totalizando US$ 18,8 trilhões. O comércio de serviços cresceu 2% em 2019, somando US$ 6 trilhões.

O crescimento e as exportações da América Latina e Caribe também afundarão neste ano por causa da covid-19. Mas se a pandemia for controlada é possível uma leve recuperação em 2021, diz a OMC.

Anúncios de que a Áustria e a Dinamarca planejam reabrir parte de suas economias após a Páscoa, apenas quatro semanas depois do confinamento, indicam que pelo menos partes da Europa podem seguir a decisão da China de retomar a atividade econômica.

Aumenta a discussão entre analistas sobre uma potencial combinação de testes, rastreamento de infectados e uso de máscara como uma “estratégia de saída”. E com isso tentar conviver com o vírus, combinando manutenção do distanciamento social e retomada da atividade econômica.

Mas a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou mais uma vez que ainda não é momento de flexibilizar as medidas de confinamento, adotadas para conter a propagação da covid-19. O diretor da OMS para a Europa, Hans Kluge, constatou que há sinais positivos em certos países no velho continente, mas que ainda há um “longo caminho” à frente para derrotar o vírus. Ele sugeriu que os países europeus dobrem ou tripliquem os esforços coletivos contra a pandemia. Argumentou que o número de mortes caiu na Espanha e na Itália, mas aumentou na Suécia e na Turquia, por exemplo.