Valor Econômico, v. 20, n. 4978, 09/04/2020. Opinião, p. A12

Comércio global despenca com choques na economia



Os indicadores antecedentes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontaram uma queda das atividades jamais vista nas principais economias avançadas e emergentes em março. Os efeitos do combate ao coronavírus retiraram a capacidade preditiva do índice - não é possível ver muito longe, não se sabe quando a pandemia será vencida e os números atuais apenas refletem um presente tenebroso. A Organização Mundial do Comércio apresentou ontem dois cenários e no melhor deles o comércio internacional declinará 13% em 2020. No pior, 31,9%.

O primeiro impacto das medidas contra a covid-19 foi terrível. Em relação ao ritmo anterior da economia, China e Índia tiveram recuo de 18%, o Brasil, de 21%, os Estados Unidos, de 25%. A Alemanha é um dos países que se saem pior, com queda de 30%. Na comparação de março em relação ao mesmo mês de 2019, segundo a OCDE, todos os países membros já estão com evolução negativa, segundo os indicadores antecedentes. O PIB brasileiro do primeiro trimestre ainda não saiu, mas, pelo indicador da OCDE, ele será negativo, já que houve piora crescente de janeiro a março.

A Europa, praticamente estagnada no último trimestre do ano passado, entrará em recessão forte, e não se sabe quando sairá dela. O PIB da Alemanha, o motor do crescimento europeu, cairá 20% no segundo trimestre, a maior queda desde 1970, duas vezes superior à retração de 2008. A França vê seu PIB encolher 1,5% a cada duas semanas de quarentena. A estimativa para o primeiro trimestre é de que o PIB mingue 6%, mais até do que durante as jornadas de 1968 e o pior resultado desde a Segunda Guerra Mundial.

A covid-19 quebrou o paradigma alemão. Pela primeira vez em muitos anos, o país terá déficit primário, dada a magnitude do pacote de socorro à economia anunciado: -4,7% do PIB. Sua dívida pública dará um salto de 10 pontos, de 60% para 70% do PIB.

A OMC vê um panorama sombrio imediato e para o futuro traçou dois cenários, um otimista e outro, pessimista. Haverá queda de dois dígitos do comércio internacional em todos os países relevantes. Para isso, projetou para 2020 e 2021 o comportamento do PIB de regiões, que estão na base das perspectivas para o desempenho do comércio. O cenário otimista pressupõe fortes declínios imediatos com uma recuperação que ganha força no segundo semestre e promove altas igualmente fortes nas trocas com o exterior em 2021. No pessimista, as quedas são ainda maiores no curto prazo e a recuperação torna-se prolongada e incerta - ainda em decorrência possível de novos surtos da covid-19 no decorrer do tempo.

As Américas do Sul e Central terão a maior queda do PIB real a taxa de câmbio de mercado: 4,3% no cenário otimista, 11% no pessimista. A Europa vem a seguir, com recuo de 3,5% e 10,8%, um pouco à frente dos Estados Unidos, com 3,3% e 9%.

A América do Sul e Central é a região que terá o maior tombo nas importações, com variação do cenário otimista ao pessimista entre -22,2% a -43,8%. A diminuição de suas exportações será menor, mas igualmente significativa: -12,9% e -31,3%. De todas as regiões, a América do Norte é que perderá mais exportações (-17,1%) e a segunda em diminuição das importações.

A redução do comércio será tão mais intensa quanto maior for a participação nas cadeias globais de valor, especialmente na de automóveis e eletrônicos. Na Ásia, Europa e Estados Unidos, as exportações perderão mais vigor que as importações. Na América do Sul, pouco integrada globalmente, ocorrerá o contrário, com queda maior das compras externas. Da mesma forma, os países da região não são grandes exportadores de serviços, setor gravemente afetado pelas defesas levantadas contra a covid-19. Em tese, isto permitiria que os saldos comerciais não sofram redução violenta ou que o setor externo contribua positivamente para o PIB.

Mas esta não é a realidade de muitos dos países da região. O Brasil é um exportador relevante de commodities, que estão em baixa, várias delas com poucas chances de recuperação diante da prostração da economia global, como petróleo e metais. Para venda de manufaturas, os mercados encolherão, caso dos EUA e Europa. Antes do mundo entrar em parada súbita para deter a covid-19, o Banco Central reviu para baixo o desempenho comercial e projetou saldo de US$ 33,5 bilhões. É bastante provável que ele fique muito abaixo disso.