Valor Econômico, v. 20, n. 4978, 09/04/2020. Empresas, p. B2

Os líderes e suas difíceis escolhas diante da crise

Vicky Bloch


Você consegue imaginar o que é se deparar com ter que decidir, tendo um único aparelho para intubação disponível, qual de dois pacientes vai sobreviver? A revista “The Economist” desta semana vem com um artigo brilhante que aborda as difíceis decisões que momentos de guerra ou de pandemia, como a que vivemos, nos impõem. Sempre soubemos que situações de crise nos obrigam a fazer escolhas que levam a um trade-off, ou seja, quando existe uma perda importante para se obter um bem maior. Mas quando essas decisões implicam em vidas humanas ficamos paralisados. E, quanto mais próximo ao campo de batalha estivermos, maior a urgência para decidir.

Diante de uma pandemia global sem precedentes, admitir que perdas de todas as dimensões serão inerentes ao processo põe nossas lideranças a escolher por agir com valores e propósitos claros. Nesta situação, cabe a elas colocar em prática a condução dos grupos por quem são responsáveis, apoiando-se em estruturas de governança mais ágeis e modernas.

É nesse momento que líderes são postos à prova no seu limite. Sem referencial recente do que significa uma crise desta magnitude, resta a eles e a elas buscar no coletivo o apoio para a criação de cenários. Juntar-se ao seu concorrente, ao seu fornecedor e envolver-se em ações sociais criando uma grande rede do bem pode trazer insights para o desconhecido. Isso vai exigir, porém, condutas não presentes no nosso dia a dia.

Alguns comportamentos como arrogância, competitividade ou querer tirar vantagem não apenas são inaceitáveis a esta altura, como levarão a decisões cujo olhar medíocre e incompetente pode decretar a falência de um sistema e custar a vida de milhares de pessoas.

A humildade de reconhecer que não se conhece o fenômeno, que não se pode administrar perfeitamente todas as variáveis e que não há formação e experiência passada para uma crise desta magnitude é o princípio de uma liderança responsável.

Outra atitude básica e importante é avaliar, em conjunto, como é possível apoiar aqueles mais frágeis que estão sendo atingidos diariamente pelas decisões difíceis da crise. Trabalhadores que têm seus proventos diminuídos, doentes que têm seu tratamento interrompido, crianças que ficam sem sua única refeição diária porque as escolas fecharam, só para ficar em alguns exemplos. Voltamos aqui ao conceito de responsabilidade social e liderança cidadã.

Atitudes urgentes precisam ser tomadas e, para isso, deve-se encontrar aliados, cercar-se de gente competente e fugir dos aproveitadores ou consultores oportunistas. Sairá na frente quem buscar “multi-olhares” (e, neste sentido, quem cultivou um network rico leva vantagem), a socialização de conhecimentos, a rapidez em reconhecer a necessidade de mudar rotas e as reflexões sobre o que está dando certo. Dizer “não sei” é parte do jogo, ser sistemático nas análises é obrigatório, e não se basear no “eu já vi isso antes...” é fundamental.

Além disso, outra atitude difícil de ser tomada, mas necessária, é a de se render a olhar para aqueles soldados que estão na frente de batalha e reconhecer que eles é que vão saber dizer o que é essencial.

Conceitos básicos são colocados à prova. O que é gestão neste momento? O que significa governança agora? Será que estamos falando dos mesmos significados e objetivos que eram essenciais dois ou três meses atrás? Será que tal reviravolta representa uma mudança de valores?

O que sabemos ser vital agora é manter o foco no urgente, no premente, no ser responsável e ao mesmo tempo solidário, no ser prudente e ao mesmo tempo acolhedor e preservar o que mais importa: as vidas humanas. É estar aberto para aprender junto com outro ser humano e agir rapidamente para mostrar o rumo.

O desafio dos líderes é enxergar a sensibilidade dessas escolhas e saber que qualquer decisão tomada terá um preço. O que desejamos é que tais escolhas sejam tomadas com responsabilidade social e que sejam as menos danosas possíveis para a humanidade.