Valor Econômico, v. 20, n. 4978, 09/04/2020. Finanças, p. C6

Taxas de administração altas de fundos DI preocupam CVM

Naiara Bertão 


A pandemia do novo coronavírus assustou todas as classes de investimentos em março. Mesmo os fundos DI, mais conservadores, tiveram perdas no mês. Para Daniel Maeda, superintendente de Relações com Investidores institucionais da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o prejuízo desse tipo de produto no mês passado evidencia um problema mais profundo do que apenas a parcela de crédito privado das carteiras. Em entrevista ao Valor Investe, Maeda destaca que os custos cobrados por esses fundos pesam ainda mais em um cenário de rentabilidade baixa, com a taxa Selic a 3,75% ao ano.

“A parcela de crédito privado aumentou sim em fundos DI, é segmento importante do mercado de capitais e que estava em ascensão, ainda que seja pequeno na indústria de fundos. Mas, algo que, com a Selic baixa, fica ainda mais evidente, e que não se restringe apenas a março, é o peso da taxa de administração dos fundos DI na rentabilidade”, diz Maeda.

Segundo levantamento feito pelo economista do Valor Investe Marcelo d’Agosto, dos 163 fundos “Renda Fixa DI”, 51 (ou 32% do total) tiveram rentabilidade negativa a em março. Em média, os fundos dessa categoria perderam 0,04% em março.

Maeda explica que um alerta foi emitido quando, em março, os fundos de renda fixa tiveram resgate líquido de mais de R$ 43 bilhões, enquanto os fundos de ações captaram R$ 8,3 bilhões. Isso pode indicar, segundo o porta-voz da CVM, que, em alguma medida, as pessoas não fugiram para ficar com dinheiro em caixa, apesar do cenário de crise, mas para migrarem para outros tipos de investimentos, mais voláteis, como fundos de ações ou multimercados.

“Um dos argumentos para isso acontecer é a percepção que o investidor tem de que o fundo de renda fixa tem um custo alto; que mesmo num fundo com volatilidade esperada maior, mas custo mais alto, ele tem expectativa de retorno maior”, diz. Para o superintendente da CVM, o investidor pode estar enxergando que vale mais a pena pagar taxa de administração para um gestor que corre atrás do “alfa”, que é o retorno acima do índice de referência, do que pagar a mesma coisa em um fundo de renda fixa conservador.

Apesar de não desmerecer o impacto da fatia de crédito privado presente na carteira dos fundos DI (o principal motivo para as perdas), o superintendente da CVM explica que esse ainda é um mercado pequeno na indústria de fundos e que a autarquia está monitorando de perto a inclusão de ativos de crédito privado nos fundos.

Os DIs, por exemplo, só podem colocar menos da metade do fundo nesta classe de ativo e só de emissores de primeira linha, menos arriscados (segundo notas de agências de classificação de risco).

“Estamos monitorando de perto o subsegmento de crédito privado em fundos de renda fixa, como o fundo vem conduzindo gestão de liquidez, dia após dia. É um  se a indústria caminha de forma saudável. Por enquanto, o que temos acompanhado é que a indústria tem conseguido administrar bem a situação. Os fundos estão mantendo cerca de 30% de colchão de liquidez do patrimônio líquido e os resgates solicitados têm sido atendidos de forma satisfatória. A drenagem de liquidez tem sido bem absorvida no mercado secundário”, explica.

Maeda diz que a CVM discute internamente uma forma de deixar mais claro para o investidor que os fundos DI podem ter crédito privado, uma vez que, ao que parece, constar apenas no regulamento do fundo não é suficiente, já que nem todo mundo lê. Mas, não seria adicionar ao nome do fundo para não confundir com os fundos de crédito privado mesmo, que levam a classe no nome por ter mais de 50% da carteira composta por esses títulos e serem mais arriscados.

Ele reitera que, apesar das disfuncionalidades das últimas semanas, o impacto das chacoalhadas nos fundos DI não deveriam ser a única e maior preocupação. Ele diz que o mercado de crédito privado e, em especial, o de debêntures corporativas, ainda é pequeno em relação a toda a indústria e que, no último mês, todo o mercado financeiro sofreu com o coronavírus, alguns mais e outros menos, um momento atípico.