Valor Econômico, v. 20, n. 4978, 09/04/2020. Finanças, p. C5
BC defende agenda de reformas apesar de crise
Estevão Taiar
Lucas Hirata
Maria Luíza Filgueiras
A agenda de reformas é essencial para a economia brasileira e - mesmo com a pandemia da covid-19 - não pode ser totalmente abandonada, segundo o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Para ele, a crise é profunda a ponto de causar mudanças de caráter estrutural na economia e na política mundial. “Óbvio que entendemos agora que o momento é do pacote anticrise, mas como foi dito: a diferença de fazer as reformas ou não vai ser o formato da recuperação”, afirmou ontem em live promovida pelo Credit Suisse.
Segundo ele, “a atitude em relação às reformas” determinará se a retomada após a pandemia será mais lenta ou mais rápida. Campos destacou que o Comitê de Política Monetária (Copom) já vinha alertando que incertezas a respeito da agenda reformista poderiam elevar a taxa de juros estrutural - aquela que permite o máximo de crescimento da economia sem gerar pressões inflacionárias.
“Estamos saindo dos trilhos por um fator externo muito grande, uma crise mundial, mas todos os dispositivos, tudo está sendo feito para a gente voltar a caminhar [na trajetória inicial]”, disse o presidente do BC, para quem o Congresso tem caráter reformista e pode ajudar na tramitação das reformas.
Das medidas dentro do alcance da autoridade monetária, ele citou a Agenda BC#, conjunto de propostas de modernização e de competitividade do sistema financeiro. “Esse planto continua. É importante enfatizar. Vamos entregar o Pix [sistema de pagamentos instantâneos] ainda neste ano, vamos andar com o open banking. Não queremos deixar essa parte de tecnologia e inovação de fora”, disse.
Independentemente das reformas na economia brasileira, o presidente do Banco Central acredita que a crise irá alterar de maneira permanente a estrutura da economia global, com impactos negativos sobre os países emergentes como o Brasil. De acordo com Campos, o modelo econômico atual, baseado na especialização de cada país em uma etapa da cadeia global de produção, foi responsável por tirar “milhões e milhões” da pobreza, mas pode perder força.
“Parte do mundo questiona essa concentração tão grande, por exemplo, de produção de bens e utensílios médicos em alguns países”, disse ele.
A perda de força das cadeia globais, na avaliação do presidente do BC, teria duas implicações: um “distanciamento maior” entre países desenvolvidos e emergentes; e um crescimento estrutural menor da economia mundial. “Se um país desenvolvido voltar a produzir bens nos quais ele já não tinha mais vantagem comparativa, provavelmente estaremos em uma situação de crescimento estrutural mais baixo por um tempo maior”, afirmou.
Além disso, o Comitê de Basileia para Supervisão Bancária adiou há duas semanas a implantação da fase final do acorde de Basileia 3, também com impactos possivelmente permanentes. “A conversa no âmbito de Basileia mudou completamente. Acho que isso também é uma mudança que não vai voltar”, disse Campos.
Dentre as demais iniciativas que o Banco Central tem lançado mão, está a atuação em caráter excepcional no mercado de crédito privado como forma de gerar liquidez e controlar a curva de precificação desses títulos. Campos destacou que a autoridade monetária pode comprar títulos de longo prazo enquanto são emitidos os de curto prazo, alterando o chamado “duration” da curva dos papéis para estabilização de preços. “Entendemos que a curva muito inclinada [de juros] distorce a precificação de créditos longos e afeta toda a cadeia”, afirmou Campos.
Por fim, afirmou que o Banco Central estuda duas propostas para ajudar as empresas com mais de R$ 10 milhões anuais de faturamento. Umadelas envolve mecanismos de “first loss”, que permitem alavancagem adicional das companhias em cima dos aportes do governo.
“Mas entendemos que alguns setores e algumas empresas já tinham muita dívida. Só adotar medidas via dívida poderia ser um pouco complexo porque no fim das contas deixar a empresa altamente endividada distorce a estrutura de capital”, disse o presidente do BC.
Outra iniciativa se baseia em um modelo de “equity” na qual as empresas oferecem uma participação ao governo de modo a se capitalizarem, em uma solução alternativa ao endividamento neste momento de crise.