Título: Adesão da Venezuela preocupa
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 08/12/2005, Internacional, p. A8

A entrada da Venezuela como membro pleno do Mercosul será discutida hoje, em Montevidéu, no início da reunião do Conselho do bloco, formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. No entanto, empresários brasileiros alertam que o ingresso de Caracas pode trazer dificuldades do ponto de vista político e técnico. Eles temem a ''politização'' da união aduaneira.

- A Venezuela é um país que interessa ao Mercosul, mas não queremos que o bloco seja usado como trampolim político para ameaças contra os Estados Unidos e a União Européia (UE) - afirmou Roberto Giannetti, diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação de Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Segundo Giannetti, muitos empresários brasileiros têm ''receio'' de que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, tente usar o Mercosul para ''aumentar sua influência'' sobre os países sul-americanos.

- Não temos nada contra a Venezuela e seu povo, que são bem-vindos, mas nos preocupam certas atitudes de Chávez - acrescentou.

De acordo com o cientista político Marcelo Coutinho, do Observatório Político Sul-Americano (OPSA - Iuperj), há chance também de a entrada de Caracas no bloco surtir o efeito contrário ao temido.

- Já que vai ter que aderir às regras do Mercosul, é possível que assuma uma posição mais moderada - afirma ao JB. - Chávez é passageiro. A Venezuela e suas reservas de petróleo, não.

As negociações formais de adesão começam em maio, revelaram ontem fontes que estão na reunião preliminar em Montevidéu. Estima-se que todo o processo dure anos, porque dos 8 mil produtos do universo tarifário venezuelano, apenas 14 se ajustam à Tarifa Externa Comum do Mercosul - menor do que a taxa padrão de importação na Venezuela. Outra questão é que Caracas terá que decidir se continua como membro da Comunidade Andina, ao lado de Bolívia, Colômbia, Equador e Peru, pois as regras deste bloco divergem das do Cone Sul.

- São negociações complexas, incluem assuntos alfandegários, tarifários, patrimônio jurídico, acordos sobre saúde, educação, meio ambiente e democracia - explicou o ex-embaixador extraordinário do Brasil para o Mercosul, José Botafogo Gonçalves.

Por enquanto, o que os chanceleres fixaram foi a parte jurídica para que Caracas se torne membro pleno do bloco. A Venezuela deve aderir ao Tratado de Assunção, que deu origem ao bloco regional, e aos protocolos de Ouro Preto e de Olivos, que abrigam a estrutura institucional e os mecanismos de resolução de controvérsias, respectivamente. Também deve adotar a Tarifa Externa Comum do Mercosul. Terá que adequar-se ainda ao Acordo de Complementação Econômica números 59 e 18, que incluem a aceleração do programa de liberalização comercial.

Além disso, o país tem de adotar todo o acervo de normas do Mercosul, inclusive as que estão em processo de implementação, e, finalmente, incorporar os acordos formalizados pelo bloco com outros países ou grupos de países fora de sua esfera, assim como as negociações externas em curso.

Mas ficou decidido que Caracas já poderá participar, mesmo durante o período de adesão, de todas as reuniões dos órgãos decisórios do Mercosul: o Conselho do Mercado Comum e o Grupo Mercado Comum. Sem direito a voto, entretanto.