Valor Econômico, v. 20, n. 4978, 09/04/2020. Legislação & Tributos, p. E1

Tribunais investem em acordos para reduzir judicialização

Luísa Martins
Isadora Peron


Diante da iminência de uma grande judicialização envolvendo quebras contratuais em razão da pandemia de coronavírus, os tribunais já se preparam para construir saídas contra a falência das empresas. As apostas estão no campo das negociações extrajudiciais ou mesmo no reconhecimento de “força maior” para afrouxar prazos e liberar recursos.

Decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) desbloquearam bens de empresas que, em recuperação judicial, viram suas receitas zerarem em razão da crise, a ponto de não conseguirem pagar funcionários ou honrar compromissos com fornecedores.

Em outra frente, como forma de desafogar o Judiciário e agilizar a solução de conflitos, ministros do STJ têm defendido o caminho da mediação. O instrumento - previsto em leis e recomendado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) - teria a capacidade de diminuir o índice de judicialização em até 33%.

Os acordos extrajudiciais são amparados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ao Valor, o vice-presidente da Corte, ministro Luiz Fux, disse que, diante do delicado momento atual, as pessoas terão de “se acostumar” com a negociação.

“A melhor forma da solução dos litígios é a conciliação, de onde não saem vencedores, nem vencidos. Não há juiz que vá despejar por falta de pagamento. Não há contratos que serão abruptamente rompidos”, disse Fux, que assume a presidência do Supremo em setembro.

Para o ministro Luís Felipe Salomão, que integra a seção de direito privado do STJ, o avanço da covid-19 no país exige uma maior sensibilidade dos juízes e uma análise apurada das peculiaridades de cada processo, principalmente porque muitas empresas ainda cumprem planos de recuperação judicial referentes à crise de oito anos atrás.

“Se até janeiro a empresa estava em dia com as suas obrigações e depois demonstrou que sofreu abalo econômico, é viável que os juízes reconheçam motivo de força maior para flexibilizar os prazos, sempre estudando uma série de outros critérios, como os comportamentos dos credores e devedores, por exemplo”, afirmou.

Anteontem, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, destacou a importância do cumprimento dos contratos durante a crise. “Quando as economias sofrem choques e deixam de cumprir contrato, a recuperação fica mais difícil”, disse, durante coletiva de imprensa.

De acordo com o ministros Salomão, a preocupação é justificada. “Se a Justiça autorizar o descumprimento dessas obrigações de maneira generalizada, haverá um desequilíbrio muito grande no sistema do direito privado”, observou. O ministro considera que a análise caso a caso é a maneira mais eficaz de evitar que empresas já inadimplentes antes da pandemia se aproveitem da crise para, de má-fé, escapar de suas obrigações contratuais.

Colega de Salomão na seção de direito privado do STJ, o ministro Marco Buzzi afirmou que mesmo após a judicialização, o juiz tem a prerrogativa de sugerir às partes a solução do litígio por meio de mediação. “A lei deixa claro que, a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, pode ser proposta a tentativa de conciliação. Com um acordo celebrado, o próprio juiz pode homologá-lo, transformando-o em um título executivo judicial.”

Buzzi disse que, enquanto o juiz precisa seguir os critérios objetivos da lei, na mediação o acordo final atende a critérios mais subjetivos, a depender das especificidades do caso concreto e do quanto cada parte está disposta a ceder - o que pode ser vantajoso às pessoas jurídicas em crise enquanto perdurar a pandemia do vírus no Brasil.