Valor Econômico, v. 20, n. 4978, 09/04/2020. Legislação & Tributos, p. E2

Os acordos individuais de trabalho

Jorge Matsumoto
Diego Amorim


O ministro Ricardo Lewandowski proferiu em 06 de abril, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.363, decisão liminar para dar interpretação conforme ao art. 11, § 4º da Medida Provisória nº 936/2020 à Constituição Federal, de modo que os acordos individuais celebrados para redução proporcional da jornada e de salário ou suspensão do contrato de trabalho somente surtam efeito após a anuência tácita ou expressa do sindicato.

O intuito da decisão foi o de fortalecer a participação dos sindicatos no âmbito das alternativas trazidas pela Medida Provisória nº 936 para preservação do empregado e da renda.

Segundo Lewandowski, a ausência do sindicato na implementação dessas alternativas violaria o texto constitucional, e a mera comunicação à entidade não superaria tal inconstitucionalidade.

A despeito da nobre intenção da decisão, é importante notar que a possibilidade de implementação das alternativas trazidas pela Medida Provisória (MP) por meio de acordo individual não coloca, por si só, o empregado em situação de vulnerabilidade.

Isto porque, nos termos da própria MP, a implementação da redução da jornada de trabalho e de salário ou da suspensão do contrato de trabalho depende, necessariamente, da anuência do trabalhador. Isto significa dizer que o empregado pode se recusar a celebrar o referido acordo, sem que qualquer penalidade lhe seja imposta.

Também não é possível ser indiferente aos impactos que a pandemia da COVID-19 tem causado não só aos trabalhadores, mas também aos empregadores - principalmente às pequenas e médias empresas -que, conforme bem ressalta a liminar do próprio ministro. Lewandowski, encontram-se diante de declínio real de receita.

Diante desse fato e de eventual decisão do sindicato - qualquer que seja o motivo - em impedir a regular implementação das medidas atualmente autorizadas pela MP nº 936/2020, certo é que não restará outra alternativa às empresas que não a rescisão sem justa causa (direito constitucional) de inúmeros contratos de trabalho.

Neste contexto, a manutenção de poucos empregados com seus salários integrais em detrimento da manutenção do emprego de um número maior de trabalhadores não gerará prejuízos econômico-sociais a todo o país ainda maiores?

Não se pode perder de vista que a rápida tomada de decisão, neste momento, pode ser fundamental para a sobrevivência ou não de inúmeras empresas e consequente manutenção de centenas de milhares de postos de trabalho. É que a rápida dinâmica vivenciada em uma crise exige dinamicidade à altura nas respostas necessárias ao seu enfrentamento.

Sem dúvida, esse foi um dos objetivos da MP editada pelo governo federal, que mesmo assim determinou seja dada ciência aos sindicatos a fim de que possam estar a par da realidade das empresas e dos trabalhadores. Deste modo, claro está que, diante de eventual abuso, poderão as entidades questionar os empregadores e adotar as medidas judiciais que entenderem adequadas para aquele caso concreto.

Interessante notar também que a decisão retoma a exigência da presença do sindicato mesmo em negociações com empregados considerados hipersuficientes - aqueles que têm ensino superior e, atualmente, percebem salário maior ou igual a R$ 12.202,12 -, despicienda desde 2017, com o advento da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2020).

A propósito, o entendimento do ministro Lewandowski, que já gera divergências entre seus próprios pares, vai também na contramão dos esforços embutidos no amadurecimento de uma legislação que, sem desprezar os direitos e garantias fundamentais, hoje permite maior autonomia das partes em diversas situações típicas e atípicas do contrato de trabalho.

A título exemplificativo podem ser lembradas as dispensas coletivas ou plúrimas, equiparadas, para todos os fins, à dispensa individual. Isto significa dizer que, nos termos do art. 477-B da CLT, não há exigência de autorização prévia do sindicato ou mesmo a necessidade de celebração de acordo ou convenção coletiva de trabalho para a sua realização.

Consequência do imbróglio gerado pela liminar, contrária ao que vem sendo legislado desde 2017, é ainda mais insegurança jurídica, mormente por colocar sob um terceiro a efetividade ou não das medidas editadas pelo governo federal para enfrentamento da crise.

E, de fato, dar o poder ratificador ao sindicato em situação de calamidade autorização prévia do sindicato ou mesmo a necessidade de celebração de acordo ou convenção coletiva de trabalho para a sua realização.

Consequência do imbróglio gerado pela liminar, contrária ao que vem sendo legislado desde 2017, é ainda mais insegurança jurídica, mormente por colocar sob um terceiro a efetividade ou não das medidas editadas pelo governo federal para enfrentamento da crise.

E, de fato, dar o poder ratificador ao sindicato em situação de calamidade pública nacional, é colocar à mercê a empregabilidade e conformá-la, muitas vezes, a questões políticas e fatores estranhos ao objetivo dos empregadores e das medidas instituídas e autorizadas pelo Governo Federal, qual seja, garantia do direito fundamental ao trabalho.

Nesta esteira, possível afirmar ter sido apressada a decisão proferida pelo ministro Lewandowski e que ela, mais próxima das arcádias, pouco ou nada contribui para o enfrentamento deste momento de pandemia.

Jorge Matsumoto e Diego Amorim são respectivamente, sócio da área trabalhista do Bichara Advogados e advogado no mesmo escritório

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