Valor Econômico, v. 20, n. 4979, 11/04/2020. Brasil, p. A2

Número de presos libertados na pandemia chega a 29 mil

Isadora Peron
Luísa Martins


A portaria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que recomenda a soltura de presos em meio à pandemia do novo coronavírus, já colocou em liberdade cerca de 29 mil pessoas. A medida tem recebido críticas do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, mas conta com o respaldo de entidades ligadas à população carcerária e ministros de cortes superiores.

A recomendação do CNJ foi editada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, em 17 de março, para evitar a propagação da doença nos superlotados presídios brasileiros.

Po ora, o caso mais grave acontece em Brasília, onde já se registra 20 detentos com a covid-19. O número deu um salto desde quinta-feira, quando foi registrado o primeiro caso no Complexo Penitenciário da Papuda. Segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), há ainda um preso contaminado no Pará e outro no Ceará, além de 118 casos suspeitos em todo o país.

O texto do CNJ recomenda penas alternativas à prisão a pessoas que estão em regime semiaberto, foram presas preventivamente ou fazem parte de grupos de risco da covid-19. A portaria, no entanto, orienta que os magistrados analisem cada caso e não concedam o benefício a autores de crimes graves.

Com base nela, ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já concederam habeas corpus coletivos para determinar, por exemplo, a soltura de devedores de pensão alimentícia e de presos cuja liberdade provisória estava condicionada ao pagamento de fiança.

Colega de Toffoli no STF, o ministro Luís Roberto Barroso tem feito elogios à medida. Ele pondera que quando um juiz decide soltar alguém, é preciso analisar a perspectiva de que essa pessoa pode voltar a cometer um novo crime, mas que, neste momento, a prisão pode colocar em risco a vida de pessoas.

No afã de alertar para eventuais solturas de presos perigosos, Moro chegou a divulgar uma notícia falsa sobre um homem no Rio Grande do Sul, que teria sido solto devido à pandemia e, depois, encontrado com uma grande quantidade de drogas e fuzis. Mesmo após o equívoco, ele continua postando exemplos como esse. Nas redes sociais, citou uma reportagem do Jornal Nacional. “Condenados incluídos no grupo de risco ganham o direito de ficar em casa por causa do coronavírus, mas voltam a cometer crimes”, disse.

Moro também pediu para que juízes evitem soltar presos por corrupção ou outros crimes contra a administração pública. Um dos beneficiados devido à pandemia foi ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.

Em suas falas, o ministro tem destacado que, em todo o mundo, o número de casos de presos com coronavírus é baixo. Segundo um levantamento do Depen, houve apenas cinco mortes entre os 47 países pesquisados.

Para representantes de entidades que defendem a população carcerária, a medida do CNJ foi acertada e não deve trazer caos à segurança pública.

O presidente da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep), Pedro Paulo Coelho, afirma que o total de presos colocado em liberdade devido à pandemia representa menos de 5% da população carcerária, que hoje gira em torno de 752 mil pessoas. “Hoje, o único risco de caos no Brasil é na saúde pública”, diz.

Essa também é avaliação de Fabrício Lima, presidente do Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais (Condege). Para ele, tratam-se de casos pontuais os exemplos citados por Moro de presos que voltam a cometer crimes. “O número de presos que foi solto é tímido, não iria impactar o aumento dos crimes. O objetivo da recomendação do CNJ foi proteger vidas, sem descuidar da segurança pública. Não pode ser vista como um instrumento para causar pânico social.”