O Globo, n. 32473, 04/07/2022. Política, p. 9

Retrocessos no PNE

Antonio Gois


O relatório do 4º ciclo de monitoramento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE), divulgado recentemente pelo Inep, revela um quadro desolador da trajetória da educação brasileira nos anos recentes. O fechamento prolongado das escolas durante a pandemia teve um efeito brutal, fazendo em alguns casos regredir em dez anos indicadores que estavam em trajetória de melhoria contínua, mesmo que insuficiente. Mas há também outros que já davam sinais de esgotamento antes de 2020, e que não podem ser justificados pela pandemia. Cabe ainda um triste registro de que a própria capacidade de monitoramento adequado ficou comprometida pelo fato de o Censo Demográfico do IBGE, por restrições orçamentárias, não ter sido realizado no ano previsto (2020). Outra pesquisa do IBGE também afetada foi a Pnad contínua, cuja qualidade dos dados coletados foi prejudicada no período da pandemia.
Os dados mais preocupantes entre os já mensurados ocorreram em indicadores de acesso que estavam em trajetória de melhoria contínua em anos recentes. A proporção de crianças de 6 a 14 anos matriculadas ou que já concluíram o ensino fundamental, por exemplo, caiu de 98% para 95,9% de 2020 a 2021. Foi um retrocesso de dez anos, considerando que em 2011 estava em 96,1%. Em números absolutos, são cerca de um milhão de crianças fora da escola (o dobro de 2020) numa etapa em que o único indicador aceitável seria 100%.

O apagão de dados do IBGE impossibilitou o acompanhamento do atendimento de crianças com deficiência e da taxa de escolarização na educação infantil (0 a 5 anos). Foi possível apenas calcular o percentual de frequência à pré-escola aos 5 anos de idade em 2021, e ele caiu para 84,9%, um patamar muito abaixo dos 97,2% registrados em 2019 e até mesmo dos 90,9% de 2013. Infelizmente, os registros de matrícula dos censos escolares do Inep sinalizam que fenômeno parecido ocorreu dos 0 aos 4 anos de idade.

A pandemia é, sem dúvida, a principal explicação para esse retrocesso tão grande nas taxas de escolarização de zero a 14 anos. Mas, como já mencionado aqui na semana passada, há também metas importantes que estão deixando de serem alcançadas desde antes do surgimento da Covid-19, caso das matrículas na educação profissionalizante em nível médio, estagnadas desde 2018.

Mesmo nos indicadores que trazem boas notícias, um olhar mais cauteloso indica alguma prudência na interpretação. Por exemplo, entre 2012 e 2021, a proporção do rendimento de professores com nível superior em relação aos demais profissionais com mesma escolaridade em outras ocupações avançou de 65% para 83% (pelo PNE, já deveria estar em 100%). O principal fator que motivou essa redução na distância entre os grupos, porém, foi a queda verificada nas demais ocupações (-16%), contrastando com o aumento real de 6% do magistério.

O atual PNE foi aprovado em 2014, num momento marcado ainda pelo otimismo no período em que foi debatido no Congresso Nacional, entre 2010 e 2013. Alguns especialistas na época criticaram o excesso de metas e apontaram para algumas que seriam irrealistas (caso do investimento de 10% do PIB na educação), mas muitos o celebraram como sendo o consenso possível para uma política de estado. Infelizmente, atropelado por crises econômicas, políticas, uma pandemia e pelo descaso, tende a repetir o ocorrido com seu antecessor (o PNE da década de 2000), que terminou seu período de vigência com muito pouco a comemorar.