Valor Econômico, v. 20, n. 4979, 11/04/2020. Brasil, p. A5

Internação pode ser maior para jovens e adultos, indica estudo

Anaïs Fernandes 


Apesar de os casos mais graves e a taxa de mortalidade por covid-19 se concentrarem nos idosos no Brasil, assim como no resto do mundo, características demográficas e patogênicas do país podem levar a uma necessidade de internação bastante significativa de jovens e adultos, gerando sobrecarga adicional às unidades hospitalares e de terapia intensiva. Para especialistas, a combinação particular observada no Brasil reforça a necessidade de um isolamento social amplo.

Em um cenário em que 30% da população brasileira fosse infectada pelo novo coronavírus, cerca de 66% dos atingidos com necessidade de internação em algum momento teriam menos de 65 anos - 34% teriam entre 45 e 64, 28% estariam na faixa de 18 a 44 e outros 4% seriam crianças e adolescentes de 10 a 17 anos. Essas são algumas projeções de uma série feita por Diogo Ferrari, professor assistente na Universidade de Chicago, a partir de modelos de propagação do vírus e do mapeamento das hospitalizações por idade na cidade de Nova York, novo epicentro da pandemia.

Em maior ou menor grau, o cenário para o Brasil se replicaria em todos os Estados e suas capitais. Mas Ferrari observa que a proporção de pessoas entre 18 e 44 anos que precisariam de leitos é maior em regiões com Produto Interno Bruto (PIB) per capita menor.

Estados do Norte, exatamente onde sistemas de saúde já se aproximam do colapso, apresentam as maiores taxas estimadas para internação de jovens e adultos. No Amapá, por exemplo, 79% da população infectada que precisaria de hospitalização teria menos de 65 anos. No Amazonas, seriam 76%. Nesses dois Estados, bem como em Tocantins, Roraima e Acre, a faixa etária entre 18 e 44 já superaria, em necessidade de leitos, até mesmo o grupo de 45 a 64 anos.

No Sul e Sudeste, a situação seria um pouco menos pior. Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais apresentam estimativas abaixo da média brasileira para a fatia de pessoas com menos de 65 que precisariam de leitos, com taxas variando de 61% a 65% dos infectados nesses Estados.

 “No Amapá, por exemplo, em torno de 39% da população têm entre 18 e 44 anos. Em São Paulo, 26% da população paulista está nessa faixa etária. O resultado é que no Amapá pode haver mais casos de internações entre os mais novos do que entre os mais velhos por causa da distribuição demográfica”, diz Ferrari.

“O centro-sul do país é muito mais envelhecido, enquanto o Norte é mais jovem. O Brasil é heterogêneo demograficamente por uma série de fatores, como os movimentos migratórios, a ocupação recente de determinadas regiões”, explica Ana Maria No galês, demógrafa e professora de estatística da UnB.

A pediatra intensivista Luciana Caramez, pesquisadora da GVsaúde e coordenadora de quatro unidades de terapia intensiva (UTIs) pediátricas em hospitais públicos de São Paulo, diz que “aqui [no Brasil], aparentemente, [a covid-19] está começando a pegar um público um pouquinho diferente do observado em outros países, que é a faixa de jovens e adultos”.

Por um lado, isso poderia ser explicado simplesmente porque o Brasil tem uma parcela maior de jovens na população. “Cerca de 15% têm menos de 15 anos, na China fica ao redor de 13% e, na Itália, são só 10%”, diz Luciana.

Mas não é só isso. O Brasil, assim como outros países em desenvolvimento, também teria uma incidência maior de comorbidades associadas à covid-19 entre os mais jovens do que nos países desenvolvidos - aqui, notadamente diabetes e cardiopatia congênita, observa Luciana. “O Brasil é conhecido mundialmente pelo ótimo tratamento de doenças cardíacas congênitas. Enquanto em outros países os recém-nascidos morrem, aqui eles são operados e sobrevivem mais. Só que o coração nunca vai ser 100% normal e uma parcela significativa precisa fazer uso de medicamentos ao longo de todo a vida adulta”, afirma.

O fato de o Brasil ser um país “mais jovem” do que Itália e Espanha, no entanto, não deve ser visto como uma “vantagem”. “Nova York é o nosso exemplo. Não é uma cidade envelhecida e veja o que aconteceu. demografia não 'joga' contra ou a favor. Ela é nossa característica. Somos um país com uma população mais jovem que, provavelmente, vai apresentar menos risco de morte, mas se você não der condições de atenção e infraestrutura em saúde para as pessoas se recuperarem, vamos ver uma mortalidade grande mesmo entre os mais jovens”, diz Ana Maria.

Projeções como a apresentada ajudam governos a avaliarem medidas de contenção do vírus e também são úteis para medir a distribuição inter-regionais de recursos, afirma Ferrari. “No mínimo, esses dados dizem que qualquer medida de isolamento têm que levar em conta dados demográficos. Caso se adote um isolamento vertical baseado somente na informação sobre o grupo de risco por idade, por exemplo, mas desconsiderando as informações demográficas e de capacidade hospitalar, temos a receita para o desastre e falência do sistema de saúde em várias localidades simplesmente porque os grupos mais jovens é que podem acabar sobrecarregando o sistema, mesmo sendo eles relativamente mais resistentes ao vírus.”