Valor Econômico, v. 20, n. 4979, 11/04/2020. Política, p. A6
TSE começa a definir conceito de desfiliação por justa causa
Luísa Martins
Marcelo Ribeiro
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deu o primeiro passo na definição do conceito de desfiliação por justa causa, que vai balizar em quais casos um parlamentar poderá deixar o partido e manter seu mandato no Congresso Nacional. Pela primeira vez, uma decisão reconheceu que o fato de um deputado ser punido por votar contra as diretrizes da sigla não configura discriminação pessoal apta a fazê-lo preservar o cargo em caso de desfiliação.
Após meses de instrução com produção de provas e depoimentos, o ministro Edson Fachin negou um pedido do deputado Rodrigo Coelho (PSB-SC) para desfiliar-se da legenda e ficar com o mandato. O parlamentar argumentava ter sofrido sanções desproporcionais por ter votado a favor da reforma da Previdência, enquanto a legenda fechou questão em sentido contrário.
Para o ministro, contudo, a punição aplicada - suspensão por 12 meses de todas as funções ocupadas nos órgãos de direção do partido – estava prevista em estatuto, o que afasta a hipótese de conduta arbitrária pelos dirigentes. Além disso, como outros dez deputados federais do PSB também votaram a favor da reforma, isso não caracterizaria discriminação pessoal.
“Os dissabores da vida intrapartidária, conquanto indesejados, compõem o tecido das relações políticas entre os filiados de uma legenda, entre si e com os órgãos de direção, e enquanto preservada a sua natureza de insatisfação pessoal, não são suficientes para caracterizar a grave discriminação pessoal que autoriza a desfiliação partidária sem perda de mandato eletivo”, escreveu Fachin.
Embora tenha sido uma decisão individual e ainda sujeita a apreciação no plenário, o entendimento entre fontes da Justiça Eleitoral é de que Fachin reforçou a jurisprudência fixada em 2007 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), segundo a qual o mandato é do partido, e não do parlamentar. Há apenas três exceções legalmente previstas para esta regra: quando o partido muda substancialmente o seu programa, quando há grave discriminação pessoal ou durante o período conhecido como janela partidária. A situação de Coelho, segundo Fachin, não se enquadrou em nenhuma delas.
Ao Valor, o deputado disse que o voto a favor da reforma da Previdência foi o ápice de uma relação que já vinha conturbada desde a morte do ex-governador Eduardo Campos, “quando o partido deu uma guinada à esquerda”. Coelho, que pretendia concorrer à Prefeitura de Joinville pelo PL, se disse confiante de que o plenário reverterá a decisão, principalmente porque a Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) manifestou-se pela procedência da ação.
Para o advogado Rafael Carneiro, que representou o PSB, a decisão de Fachin vai no sentido de uma “reaproximação do partido com o deputado, que já vinha sendo trabalhada internamente” por meio, por exemplo, da revogação das punições aos infiéis durante a reforma da Previdência. Ele também apontou ser difícil responsabilizar a morte de Campos pela deterioração da relação, já que o acidente do ex-governador foi em 2014 e as eleições ocorreram apenas em 2018.
Quando o caso chegar ao plenário, os ministros vão decidir se concordam ou não com o ministro - isto é, se cabe ou não alegação de justa causa por parte de parlamentares punidos por desrespeitar orientação do partido. A tendência da ministra Rosa Weber, presidente do TSE, é ser ágil na inclusão do processo em pauta, já que ações de desfiliação partidária têm preferência legal.
O resultado do julgamento deve impactar pelo menos outras seis ações semelhantes que tramitam no tribunal: quatro de deputados do PDT - Gil Cutrim (MA), Tabata Amaral (SP), Marlon Santos (RS) e Flávio Nogueira (PI) - e mais dois do PSB, Jefferson Campos (SP) e Felipe Rigoni (ES).
Em outra frente, também estão pendentes de definição os casos em que há conflitos pessoais, mas não ideológicos, entre lideranças de um mesmo partido. É a situação do PSL, cenário de uma disputa entre os parlamentares simpatizantes do presidente Jair Bolsonaro (eleito pela sigla, mas atualmente sem partido) e os que pertencem ao grupo do deputado Luciano Bivar, presidente da legenda. O TSE ainda tenta que esse conflito seja solucionado por meio de uma conciliação entre as partes.