Valor Econômico, v. 20, n. 4979, 11/04/2020. Brasil, p. A4

Baixa inflação de serviços reforça IPCA perto de 2,5%

|Arícia Martins
Bruno Villas Bôas 


Mesmo tendo capturado apenas de forma inicial os efeitos da pandemia de coronavírus, a inflação do primeiro trimestre deu pistas de como a crise e o baque na atividade dela resultante devem afetar a formação de preços. Antigos “vilões” do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e domados somente após a última recessão, os serviços subiram 0,8% de janeiro a março.

Foi a menor alta no setor para o período ao menos desde 2002, segundo cálculos da LCA Consultores. “E não é porque em 2001 a alta foi menor do que 0,8%, mas sim porque 2002 é o ano mais para trás em que é possível usar a metodologia de cálculo do Banco Central para serviços”, destaca o economista Fabio Romão.

Em março, conforme o IBGE divulgou na última quinta-feira, os serviços caíram 0,14% no IPCA, vindo de aumento de 0,68% em fevereiro. Foi a primeira vez que o conjunto que reúne itens como cabeleireiro, empregada doméstica, aluguel e mensalidades escolares teve deflação no terceiro mês do ano desde 2000 (-0,11%).

De portas fechadas, os serviços, que representam cerca de 35% da cesta de consumo, devem ser o segmento que mais vai sofrer com a paralisação da atividade. Assim, a tendência é que a perda de fôlego nesses preços se acentue daqui para frente.

Por isso, a inflação de serviços, principal pressão na primeira metade da última década, agora é maior influência de baixa nas estimativas para a alta do IPCA em 2020. Enquanto bancos e consultorias esperam avanço perto de 2,5% para a inflação oficial, muitas gestoras já avaliam que o indicador deve ficar abaixo desse nível, o piso da meta perseguida pelo Banco Central (BC) neste ano.

É o caso da Vinland Capital, que trabalha com aumentos de 2% e 1,8% para a “inflação cheia” e de serviços este ano, respectivamente. E o viés é de baixa, observa o economista Victor Wong. “Restaurantes começaram a demitir, shoppings estão vazios. Tudo aponta que a inflação de serviços vai diminuir ainda mais.”

O turismo deve ser o ramo mais afetado. No dado de março, as passagens aéreas ficaram 16,7% mais baratas, mas ainda sem relação com a covid-19, porque refletiram coleta feita em janeiro para viagens que seriam realizadas no mês passado. Para maio, as coletas indicam retração de 30% nesses preços, diz Wong.

Apesar da ressalva em relação aos bilhetes aéreos, Pedro Kislanov, gerente do IPCA, afirmou que a pandemia já derrubou vários preços de serviços em março, como pacote turístico (-2,56%); mudança (-2,53%); transporte por aplicativo (-1,76%); sobrancelha (-0,70%); cabeleireiro (-0,49%) e cinema (-0,53%), entre outros. “Vimos bastante promoções em março por conta da menor demanda”, disse Kislanov.

Para Romão, da LCA, essa tendência desinflacionária deve se acentuar. Após conhecer o número de março, a consultoria revisou a projeção para o aumento do IPCA no ano de 2,7% a 2,4%. A estimativa para a alta dos serviços em 2020 também caiu 0,3 ponto, para 2,2%.

O impacto da crise do coronavírus sobre os preços de serviços será mais forte do que o observado na última recessão, que foi de 2014 até 2016, não só devido às medidas de isolamento social, afirma o economista.

“Daquela vez o desemprego demorou a aumentar e a renda real continuou crescendo mesmo em meio à crise, porque houve alta da formalidade no começo da década e era mais difícil encontrar mão de obra. O empregador pensava duas vezes antes de demitir.”

Já desta vez, os impactos econômicos da pandemia ocorrem num momento em que 40% dos ocupados estão na informalidade e 11,6% da força de trabalho está desempregada. E economistas esperam piora desse quadro.

No cenário do Itaú, a taxa de desemprego no país vai avançar a 13,6% na média de 2020, ante 11,9% em 2019. “Os preços de serviços serão bastante afetados não só pelo fechamento dos estabelecimentos, mas também pela desaceleração da atividade e piora do desemprego”, diz a economista Júlia Passabom.

No curto prazo, a desinflação de serviços será relevante, comenta Júlia, para quem esses preços vão subir 3% na média anual, com IPCA em 2,7%. Esses números supõem alguma normalização nos preços quando houver reabertura da economia, destaca ela.

Com estimativas iguais, Roberto Secemski, economista-chefe para Brasil do Barclays, diz que a inflação de serviços pode ficar abaixo dos 3% esperados para 2020 se a deterioração no mercado de trabalho for mais forte e duradoura. Segundo Secemski, abril deve mostrar efeito maior da pandemia sobre os preços do segmento, mês em que o IPCA deve registrar queda de 0,1% a 0,2%, projeção preliminar.