Título: Abertura agrícola de mão única
Autor: Rafael Rosas
Fonte: Jornal do Brasil, 09/12/2005, ECONOMIA & NEGÓCIOS, p. A17

Estudo revela aumento da exclusão no campo com queda de preços no Brasil

A liberalização das relações econômicas entre os países, impulsionada desde os anos 90, agravou a exclusão nos países em desenvolvimento. Esta é a principal conclusão de estudo divulgado da organização não-governamental ActionAid, sediada em Joanesburgo, na África do Sul, e presente em 44 países. No Brasil desde 1998, a instituição revela que, na década de 90, quando o país baixou tarifas (em 50% na média), os preços pagos aos agricultores nacionais caíram 47%, o que estrangulou a agricultura familiar. - A abertura, neste caso, serviu para reduzir a renda e aumentar a exclusão no campo. Entre 1985 e 1996, 1 milhão de estabelecimentos rurais deixaram de investir no Brasil, 93% dos quais de agricultura familiar - diz Adriano Campolina, diretor do ActionAid. Os efeitos nocivos não se restringem ao Brasil. No México, desde que o país passou a integrar o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, na sigla em inglês), 1,3 milhão de produtores de milho deixaram a lavoura, empurrados pelas importações do produto dos Estados Unidos. Em Gana, o corte de tarifas agrícolas nos anos 90 levou dois terços dos produtores de arroz do país ao prejuízo entre 2000 e 2004. Campolina se mostra preocupado com os resultados da continuação da Rodada Doha, semana que vem, em Hong Kong. O diretor da ActionAid - que terá representantes nas delegações do Quênia, Senegal, Malauí, Uganda e Bangladesh - critica a negociação entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Para ele, o atual estágio das conversas é ''uma negociação entre a guilhotina e o pescoço''. - É melhor não haver acordo do que elaborar algo com o atual nível de proposta dos países desenvolvidos, que querem apenas a liberação comercial e deixaram o desenvolvimento de lado - pondera. De acordo com Campolina, europeus e americanos realizam forte ofensiva para ampliar a abertura nos setores de serviço e de produtos industriais, sem oferecer quatro contrapropostas essenciais no setor agrícola: eliminação dos subsídios à exportação; redução do apoio doméstico que deteriora o mercado; ampliação de acesso a mercados e tratamento especial para países em desenvolvimento. - Até agora, nem a União Européia, nem os Estados Unidos definiram uma data para acabar com os subsídios. A proposta européia é manca. Hoje, eles têm 64 bilhões de euros por ano em subsídios e propõem uma redução total para algo entre 55 bilhões e 58 bilhões de euros. Seria uma redução ridícula e aquém do necessário - ressalta Campolina, que teme que o Brasil faça muitas concessões para ganhar ''migalhas''. Para o diretor da ONG, o Brasil deve tentar fortalecer o G-20, grupo de países integrado também por África do Sul e Índia, para uma negociação mais profunda com UE e EUA.