Valor Econômico, v. 20, n. 4979, 11/04/2020. Opinião, p. A10

Estados inflam a conta para atravessar a pandemia



Dados preliminares projetam uma queda entre 20% e 30% da receita dos Estados em abril, não apenas pela redução do valor das notas fiscais emitidas, mas também por causa do atraso no pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) devido, como mostrou o Valor, em sua edição de sexta-feira.

O drama dos fiscos estaduais, portanto, não é apenas por causa do impacto negativo da covid-19 na atividade econômica, mas também pelo aumento da inadimplência dos contribuintes.

Só em abril, a arrecadação do governo de São Paulo com o ICMS cairá R$ 2,4 bilhões por conta da crise, pois o Estado esperava arrecadar R$ 12,7 bilhões e ficará com R$ 10,3 bilhões, segundo o secretário de Fazenda e Planejamento, Henrique Meirelles. Se o Produto Interno Bruto (PIB) despencar 5% neste ano, como já admite boa parte dos analistas do mercado, o secretário estima que o governo de São Paulo perderá R$ 16 bilhões em receita.

A situação não é diferente nos demais Estados. No Rio Grande do Sul, por exemplo, na primeira semana em que entraram em vigor as medidas de quarentena adotadas pelo governo, o valor em emissão de notas eletrônicas subiu 14,7%. Mas, no período de 28 de março a 3 de abril, a queda foi de 33,9%.

Em 2009, quando a redução da atividade econômica foi de apenas 0,1% por causa da crise financeira internacional, a receita do ICMS caiu 0,3 ponto percentual do PIB. Naquela época, não houve fechamento do comércio e paralisação de atividades industriais, como ocorre agora em virtude da decretação da quarentena para evitar a propagação do novo coronavírus. Neste ano, a queda da receita do ICMS, principal tributo dos Estados, será, portanto, muito mais forte.

Os municípios também sofrerão, não só com a redução do ICMS, pois têm participação na receita deste tributo, como também com a queda de arrecadação do Imposto sobre Serviços (ISS). Os dados indicam que o setor de serviços será o mais afetado pela crise. Assim, Estados e municípios terão forte perda de receita no momento do enfrentamento da maior emergência em saúde pública desde 1918, quando milhares de brasileiros morreram por causa da “gripe espanhola”.

Em meio a essa situação aflitiva, com queda de receita e aumento de gastos para combater o novo coronavírus, governadores e prefeitos tentaram pegar carona no chamado Plano Mansueto, que estimula a adoção de boas práticas fiscais para melhorar a nota de crédito de Estados e municípios, e que está sendo votado na Câmara. Deputados desvirtuaram o plano original, que se transformou em um programa de ajuda aos governos estaduais e prefeituras, sem qualquer contrapartida.

Entre as medidas incluídas está a suspensão do serviço da dívida em 2020, adiamento contratual de todas as operações feitas em 2020, compensação, por parte da União, das perdas de receita de Estados e municípios e autorização para a contratação de novas dívidas até o montante de 8% da Receita Corrente Líquida (RCL).

O Plano Mansueto é correto em seus propósitos e terá que ser retomado quando esta terrível praga passar. No pós-crise, os Estados e municípios precisarão, como nunca antes, ajustar suas contas. Mas ele foi abalroado por uma emergência de saúde pública, em que os governos estaduais e municipais perdem recursos em proporções gigantescas, perdeu apoio político, o que inviabilizou sua votação.

O importante, neste momento, é o governo federal discutir com governadores e prefeitos, de forma madura, o tamanho da ajuda que a União poderá conceder aos Estados e municípios. A ajuda inicial de R$ 16 bilhões, que está prevista na medida provisória 938/2020, não parece razoável. Mas também não é razoável que o Congresso autorize a contratação de novos empréstimos por Estados que possuem, em sua maioria, notas de crédito C e D e que não têm condições de obter crédito sem aval da União. Sem essa garantia, as taxas de juros que serão cobradas nesses empréstimos terão o céu como limite. Novas dívidas para esses entes aumentará a necessidade do ajuste que eles terão que fazer em suas contas mais adiante.

Um critério razoável é o de que apenas a União eleve o seu endividamento neste momento de pandemia, com o objetivo de obter os recursos necessários para que todos os entes da Federação consigam proteger os seus cidadãos. Obedecido este princípio, definir o montante que a União deverá repassar para Estados e municípios nos próximos quatro ou cinco meses ficará mais fácil.