Título: Pinaud cai por discordar da política de direitos humanos
Autor: Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Jornal do Brasil, 16/11/2004, País, p. A-2

Está marcada para hoje a saída do governo do presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos políticos da Presidência da República, João Luiz Duboc Pinaud. Ele entregará uma carta de demissão ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pinaud não concorda com a morosidade do governo em definir uma estratégia para a abertura dos arquivos do regime militar. O ex-presidente da Comissão de mortos e desaparecidos políticos comunicou sua decisão na última sexta ao Secretário Nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda. Nilmário já tem o nome do substituto definido: Augustino Veit. Pinaud saiu atirando pesado contra o governo como um todo, e contra a secretaria comandada por Nilmário, em particular. Segundo Pinaud, a gota d'água foi a polêmica gerada após a divulgação das fotos que seriam do jornalista Wladimir Herzog. O ex-presidente da comissão tentou, sem êxito, cobrar um completo esclarecimento sobre a morte do jornalista nos porões do Doi-Codi.

- Mas não senti um ambiente favorável a uma rigorosa apuração dos fatos - criticou.

Ele descartou o termo revanchismo, adotado por alguns setores, inclusive do governo, que se opõem à abertura dos arquivos da ditadura. Para Pinaud, no caso específico das fotos falsamente identificadas como de Herzog, o que está em jogo é uma ''lesão ao direito humano à memória, ao direito brasileiro à sua memória e a seu passado histórico''.

- Ninguém é dono do passado. Mas a Secretaria Especial de Direitos Humanos não tomou a dianteira para abrir os arquivos, como se manifestavam diversos segmentos da sociedade brasileira - criticou.

Nilmário não quis bater boca com o ex-presidente da Comissão. Declarou que tinha sido comunicado da demissão pelo próprio Pinaud no fim da semana passada. Sobre a acidez das críticas, o secretário nacional de Direitos Humanos foi diplomático.

- Respeito a decisão tomada por Pinaud - resumiu.

Nilmário garantiu que o debate em torno da abertura dos arquivos do regime militar será travado dentro do governo, sob o comando do presidente Lula. Frisou que a população terá acesso às informações necessárias e que o decreto que fixa o tempo em que os documentos de governo devem ser mantido sob sigilo será revisto. Não delimitou, contudo, prazo para isto.

- Só posso dizer que teremos avanços.

Nilmário leva hoje ao presidente a sugestão de Augustino Veit para presidir a Comissão Especial de mortos e desaparecidos políticos. Atualmente, Veit é assessor do Conselho de Ética da Câmara. Militante de longa estrada, Veit é um dos fundadores do Movimento Nacional de Direitos Humanos e trabalhou diretamente em casos de tortura de brasileiros e uruguaios, durante a década de 1970.

- A Comissão existe há 9 anos, já resolveu mais de 300 casos de mortos políticos e outros 102 estão sendo examinados. Tenho certeza de que continuará cumprindo seu papel - ressaltou Nilmário.

O presidente da Seccional Rio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), Octávio Gomes, lamentou a saída de Pinaud. Reiterou que Pinaud ''é um homem comprometido com os direitos humanos, com o estado democrático de direito, um homem cuja vida é marcada de luta pela legalidade, contra a tortura, contra o arbítrio''.

Ele atribuiu a saída de Pinaud à falta de respaldo de seus superiores para o cumprimento de sua missão.

- Infelizmente, não foram dados a Pinaud os mínimos recursos necessários ao bom desempenho da função.