Valor Econômico, v. 20, n. 4979, 11/04/2020. Opinião, p. A11

Como Oriente e Ocidente atacam a covid-19

Jeffrey D. Sachs


Os países do Leste da Ásia vêm se saindo melhor que os Estados Unidos e a Europa no controle da pandemia da covid-19, apesar do fato de seu início ter sido na China. Os EUA e Europa deveriam estar aprendendo o mais rápido possível as abordagens adotadas no Leste da Ásia, que ainda poderiam salvar muitas vidas no Ocidente e no resto do mundo.

Um ponto de partida importante para comparações é o número de casos de infecção da covid-19 e de mortes confirmadas por milhão de pessoas, segundo números atualizados até 7 de abril. É como se as duas regiões fossem dois mundos diferentes. A Europa e os EUA estão atolados na pandemia: os casos confirmados por milhão variam de 814 (Reino Unido) a 3.306 (Espanha) e as mortes por milhão variam de 24 a 300. Nos países do Leste da Ásia, os casos confirmados por milhão variam de 3 (Vietnã) a 253 (Cingapura) e as mortes por milhão, de 0 a 4.

Os países do Leste da Ásia não estão subestimando de forma sistemática o número de casos nem o de mortes em relação aos países ocidentais. Ambas as regiões têm testado uma proporção similar de suas populações.

Um ponto importante é que as diferenças entre as duas regiões não são reflexo de medidas de paralisação econômica mais rigorosas no Leste da Ásia. O Google divulgou recentemente dados fascinantes sobre a redução da atividade nos vários setores da economia. A desestabilização na vida normal (comparando o fim de março com o período-base de 3 de janeiro a 6 de fevereiro) é menos severa no Leste da Ásia.

A disparidade entre as consequências para a economia e a saúde pública dos países do Leste da Ásia e do Ocidente refletem três diferenças fundamentais entre as regiões. Para começar, os países do Leste da Ásia estavam muito mais bem preparados para enfrentar novas epidemias.

A epidemia de sars em 2003 foi um chamado de alerta e as frequentes ondas de dengue em vários países do Leste da Ásia reforçaram o recado.

Na Europa e nos EUA, as preocupações com sars, ebola, zika e dengue pareciam abstratas ou bem distantes e (com exceção da sars) eram vistas como sendo algo “tropical”. O resultado dessa maior consciência foi um nível de alerta nacional muito maior ao longo da região quando a China noticiou pela primeira vez um aumento incomum nos casos de pneumonia em Wuhan, em 31 de dezembro de 2019.

Em combates a epidemias, ações precoces são cruciais para a contenção do contágio. A partir do início de janeiro, a maioria dos vizinhos da China começou a restringir as viagens à China e, de imediato, intensificou a realização de testes e as operações de rastreamento dos casos. A China e outros países valeram-se de novas tecnologias digitais para monitorar a disseminação da doença.

Os países ocidentais ficaram bem menos atentos quanto ao coronavírus quando os primeiros casos apareceram. A agência federal americana Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC) entrou em contato com o órgão equivalente da China em 3 de janeiro. O primeiro caso nos EUA foi confirmado em 20 de janeiro. Ainda assim, foi só em 31 de janeiro que o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou restrições a viagens à China. Mesmo nesse momento, essas cruciais restrições não foram levadas a sério. Estimativas recentes indicam que 430 mil pessoas chegaram aos EUA da China depois que a epidemia foi revelada, incluindo cerca de 40 mil depois do chamado veto às viagens de Trump.

A população do Leste da Ásia também tem mais consciência das precauções adequadas a tomar. Máscaras cirúrgicas são usadas amplamente desde, pelo menos, a sars. As autoridades ocidentais, em contraste, comunicavam ao público para não usar máscaras, em parte, para direcionar a limitada oferta para os trabalhadores da área da saúde e, em parte, por que os dirigentes subestimaram seus benefícios na redução do contágio.

Por fim, as autoridades do Leste da Ásia intensificaram dramaticamente a procura por sintomas em pessoas deslocando-se em áreas públicas, escritórios e outros locais movimentados. É rotina em muitas empresas medir a temperatura corporal dos funcionários quando entram no local de trabalho. O monitoramento da temperatura também é usado em centros de tráfego, como aeroportos e estações de trem. Essa prática ainda é quase inexistente nos EUA e Europa.

A epidemia na China foi a pior no Leste da Ásia e, de certa forma, a mais instrutiva para os EUA e a Europa. Diferentemente de seus vizinhos, a China viveu uma plena epidemia durante várias semanas, de meados de dezembro a meados de janeiro. Quando a China decretou quarentena obrigatória em Wuhan em 23 de janeiro, já havia 375 casos confirmados na província de Hubei, onde Wuhan está localizada, e provavelmente muitos mais casos não confirmados (sejam assintomáticos ou sintomáticos, mas não testados). O vírus também havia começado a se disseminar pela China, com outros 196 casos confirmados.

Nesse momento, a China tomou medidas drásticas. Suprimiu todas as viagens e deslocamentos em público; rapidamente adotou sistemas on-line para rastrear indivíduos e garantir a aplicação das ordens de quarentena; e realizou grandes números de testes, além de monitorar em massa os sintomas. As medidas foram, sem dúvida, muito drásticas e amplamente criticadas. No entanto, também foram notavelmente eficazes. A China conteve em apenas poucas semanas uma plena epidemia que se disseminava em alta velocidade - um feito que muitos especialistas consideravam impossível.

A Europa e os EUA ainda não estão com a epidemia sob controle. A escassez de respiradores que podem salvar vidas e a morte de trabalhadores da área de saúde por falta de equipamentos básicos de proteção agravam a tragédia. As medidas de saúde pública serão decisivas para barrar a covid-19 antes que devaste populações inteiras no Ocidente e pelo mundo. E abordagem adequada para o Ocidente exige que aprendamos o que pudermos do Leste da Ásia o mais rápido possível. (Tradução de Sabino Ahumada).

Jeffrey D. Sachs é professor de Desenvolvimento Sustentável e de Gestão e Políticas da Saúde da Columbia University. É diretor da Rede de Soluções de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

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