Valor Econômico, v. 20, n. 4979, 11/04/2020. Especial, p. A12
Plano de ajuda soma 7,8% do PIB, mas ainda gera dúvidas
Hugo Passarelli
Apesar da lentidão inicial, as medidas anunciadas pelo governo para diminuir os efeitos da novo coronavírus já atingiram R$ 568,6 bilhões (7,8% do Produto Interno Bruto), segundo um levantamento de Manoel Pires, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Embora mais robusto, o plano de socorro guarda incertezas. Para analistas, a dúvida é se o pacote chegará a tempo de amparar empresas e trabalhadores. Outra incógnita é até onde vai o fôlego do governo caso a crise persista.
A maior preocupação do momento é sobre as operações de crédito a empresas, ainda “emperradas” e com alto risco de inadimplência. A demora para que os empréstimos cheguem mais rapidamente à cadeia produtiva é um sinal de alerta, porque as medidas necessárias de isolamento social geram queda abrupta de receita.
Na comparação internacional, o Brasil está em nível parecido ao da Austrália, com 7,2% do PIB, e acima do pacote de 6,7% do PIB no Chile, mas segue distante das nações avançadas: os EUA devem desembolsar o equivalente a 9,5% do PIB e a Itália, um dos epicentros da doença, 21,1% do PIB.
“Do ponto de vista de atuação direta, já nos equiparamos em termos de reação a outros países. Mas tem uma perna que me parece ainda complicada na atuação do crédito”, disse Pires em debate de pesquisadores do Ibre/FGV e o Valor.
Ex-secretário de Política Econômica da Fazenda, Pires nota que as ações anticrise têm mix distinto. A Itália vai empregar 1,1% do PIB em programas governamentais, menos do que o Brasil (5,7%). Porém, o país europeu destinará 20% do PIB para crédito, ante 2,1% por aqui.
O dado consolidado do Brasil exige ressalvas. Do pacote governamental total, R$ 415,4 bilhões são gastos e desonerações, mas a parte de dinheiro “novo” é pouco mais da metade deste valor, ou R$ 222,4 bilhões. Isso acontece porque o governo se valeu de medidas de antecipação de despesas, como as parcelas do 13º dos aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que serão pagas em maio, e o adiamento de receitas, como postergação do PIS/Cofins por 3 meses.
Os R$ 153,2 bilhões restantes incluem ações de crédito que embutem algum tipo de incentivo, como garantias e subsídios ou cuja fonte são recursos fiscais, explica Pires. Elas visam garantir fôlego financeiro a Estados e empresas, e o setor privado deve ficar com R$ 91 bilhões deste bolo. Há dúvidas se as companhias conseguirão acesso ao crédito. As medidas anunciadas pela Caixa de empréstimo imobiliário não entram na conta por não ter um incentivo fiscal específico.
“Como os bancos retraem muito o crédito por conta do risco, as ações do Banco Central são mais direcionadas para oferecer liquidez”, diz Pires. Logo, as medidas protegem os bancos contra saques, desinvestimentos, aumento de calotes e renegociações, mas não expandem o crédito, segundo ele.
Isso afeta sobretudo microempresas e trabalhadores informais. Muitos desse grupo podem ficar de fora da ajuda por não estarem inclusos no sistema financeiro. Pires alerta que os impostos diferidos, isto é, com prazo de pagamento estendido, estão com prazo apertado, todos
Tudo somado, o cenário indica a necessidade de o governo, nos próximos meses, se ver obrigado a abrir o caixa novamente e socorrer o setor privado. “Um Refis [programa de refinanciamento tributário] para empresas já está contratado”, afirma o ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa, pesquisador associado do Ibre/FGV.
A resposta inicial do BNDES para pequenas e médias empresas foi uma linha de capital de giro de R$ 5 bilhões. Desde o anúncio, foram 261 operações com juro médio de 13% ao ano, diz Pires. Nos últimos dias, foram criadas operações mais baratas. Há uma linha para financiar a folha de pagamento no valor de R$ 40 bilhões, com 85% do risco assumido pelo Tesouro e taxa de 3,75% ao ano. Outra vai usar recursos de fundos constitucionais para empréstimos de capital de giro, a um custo de 2,5% ao ano.
A crise exige ações além da esfera federal. Segundo Pires, 21 Estados anunciaram algum tipo de auxílio financeiro às empresas e famílias, como transferência de renda aos mais pobres, redução do ICMS e postergação do IPVA. Também há iniciativas mais direcionadas, como distribuição de cestas básicas, adotada em 19 dos entes. “Nos Estados, temos atribuição melhor de como o dinheiro vai ser gasto. Deveria haver uma coordenação entre os entes, caso contrário todo mundo vai para a mesma direção e falta para outras áreas”, afirma Vilma Pinto, pesquisadora do Ibre/FGV.
Em 22 Estados, há planos específicos para as empresas, o que representa um “ponto de partida” ruim porque os mais atingidos são os entes com dívida alta. “Em outros países, essas medidas são feitas com transferências diretas da União aos Estados, sem gerar dívida”, afirma Pires.
A dimensão da crise atual é diferente da de 2008 e prevê uso intensivo de serviços públicos. Para Pires, o excesso de medidas de crédito e a recessão desencadeada pela doença vão exigir reestruturação das finanças subnacionais na saída da crise.
Ao analisar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do “Orçamento de Guerra”, Pires diz que o texto deverá ajudar a organizar a atuação do BC no crédito, o que é positivo, mas há incertezas, como o risco de o Congresso cancelar ações do governo. “A justificativa da PEC é ter cheque em branco para descumprir a regra de ouro [que proíbe emissão de dívida para gastos correntes], mas perdeu-se tempo com algo que não tira a insegurança jurídica”, diz Barbosa.
Diretor do Ibre/FGV, Luiz Schymura destaca a dramaticidade da situação, lembrando que há previsões de queda de 6% do PIB no ano. “É difícil traçar qualquer cenário nesse contexto”, diz, ressaltando a importância de se tomar medidas bem focadas nesse ambiente.