Valor Econômico, v. 20, n. 4979, 11/04/2020. Especial, p. A12
Canal de saída da crise é incógnita
Hugo Passarelli
Enquanto o surto do novo coronavírus leva os governos de todo o mundo a traçar às pressas planos para evitar falências em massa e garantir a renda dos mais vulneráveis, os economistas começam a debater por quais canais será a feita a saída da crise. Sem precedentes no mundo neste século, o choque deverá exigir uma ação mais prolongada, não se restringindo a medidas de curto prazo.
Um dos maiores desafios é garantir que as medidas adotadas para enfrentar a turbulências não deixem uma conta insustentável e, ao mesmo tempo, sejam suficientes para evitar danos mais duradouros à economia. “Seja para onde formos, se tivermos decisões econômicas bem focadas e muito cuidadosas, o custo vai menor”, afirma Luiz Guilherme Schymura, diretor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
O exemplo da crise de 2008 é frequentemente lembrado pelos analistas. O Brasil enfrentou o período com relativa tranquilidade, mas o conjunto de medidas adotadas à época baseou-se em vultosas desonerações e forte expansão do crédito público.
Embora o pacote tenha contribuído para um crescimento de 7,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010, o modelo foi levado à exaustão nos anos seguintes e é um dos responsáveis pela crise de 2015 e 2016, ainda não superada.
Nesse ponto, o plano de socorro atual tem vantagens. As desonerações anunciadas até agora são de R$ 12 bilhões, e representam apenas 0,17% de um total de 7,8% do Produto Interno Bruto (PIB) do conjunto de estímulos.
O que é novo da crise atual é a inédita adoção de isolamento social em grandes proporções, o que tem derrubado a atividade econômica por aqui e mundo afora. “Não vejo discussão sobre como vamos fazer a transição do isolamento social. Sem essa medida não tem jeito [de conter a disseminação do vírus], mas não sabemos o quanto a economia suporta”, afirma Schymura.
O pesquisador associado do Ibre/FGV, Nelson Barbosa, alerta que, passada a fase mais aguda de fraqueza da atividade, será imprescindível adotar políticas mais prolongadas para normalizar o ritmo da economia. “Há a ilusão de que a economia funciona como um ‘liga e desliga’. Com um déficit primário de mais de R$ 500 bilhões, famílias com menor renda e endividadas, a incerteza será elevada”, afirma o ex-ministro da Fazenda.
Os economistas também defendem que, à medida em que a crise peça por atuação mais forte dos governos, demandas da sociedade por serviços públicos de saúde devem se cristalizar. “A crise está colocando o papel do Estado como garantidor de risco na saúde e na renda”, diz Manoel Pires, pesquisador do Ibre/FGV.
Ao mesmo tempo, será necessária a regulação de instrumentos financeiros mais sofisticados, como faz o Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano).
“O ideal é que o BC participasse mais, mas isso não é fácil de implementar. Mesmo que atrasados, é importante que da crise saiam canais mais rápidos de atuação”, afirma Barbosa.
O pesquisador sugere um modelo em que as operações de crédito envolvam três agentes - empresas, bancos e o Banco Central. “O banco vai estar autorizado a operar em determinadas condições de crédito. O BC, por sua vez, vai comprar e carregar esse empréstimo da instituição financeira”, explica ele.