Valor Econômico, v. 20, n. 4979, 11/04/2020. Empresas, p. B1

Medidas de restrição são amargas, mas agradam investidores

Raquel Brandão


A necessidade de preservação de caixa já está “precificada” pelos investidores, como se diz no linguajar do mercado. Mais do que isso, anúncios de corte de dividendos ou adiamento no pagamento têm sido recebidos com sinal de diligência da administração diante da potencial quebradeira generalizada causada pela pandemia de coronavírus.

“Hoje todas as companhias estão falando em preservação de caixa e maneiras de aumentar sua liquidez. Os investidores num momento como esse enxergam com bons olhos”, diz Thais Cascello, analista de transportes e bens de capital do Itaú BBA.

Embora os dividendos sejam sempre um assunto sensível, num momento de crise deve prevalecer a prudência, diz Fábio Coelho, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec). “A decisão de retenção de dividendos é sempre cercada de muitos conflitos, mas em períodos que fogem à normalidade a continuidade das operações deve ser colocada em primeiro lugar - até para proteção dos acionistas

A mensagem ao mercado é de que “todos estão no mesmo barco”, diz Lucas Carvalho, analista da Toro Investimentos. A situação exigirá do investidor mais paciência, por causa dos riscos crescentes de crédito e liquidez.

As empresas “tinham caprichado” nos dividendos, lembra Daniel Pegorini, diretor-presidente da gestora Valora Investimentos, porque vinham de um ano bom e o cenário era positivo com os juros baixos. “A partir do Carnaval algumas delas começaram a projetar cenário de guerra por causa da pandemia.”

A queda brusca da bolsa nas primeiras semanas de março também levou à intensificação do movimento de recompra pelas empresas de suas ações em circulação no mercado.

Esse mecanismo, ao mesmo tempo que tende a valorizar o papel e, portanto, o ativo do acionista, diminui a base acionária para a qual deve ser distribuída a remuneração, reduzindo o total de dividendos a ser pago. Mas Pegorini acredita que as recompras agora devem diminuir de ritmo, à medida que as companhias seguram os recursos por questão de segurança.

Os cortes e adiamentos não doeram tanto, segundo Betina Roxo, analista da XP, porque, além de ser vistos como boa gestão de caixa, o retorno com dividendos ainda está alto quando comparado a investimentos menos atraentes, como os atrelados à Selic. Betina, no entanto,  que o mercado também monitora outros fatores no cenário atual, entre eles os estímulos anunciados pelo governo.

O impacto também foi sentido em alguns fundos de investimento imobiliário (FIIs), em especial os ligados a shoppings centers e hotéis, setores fortemente atingidos pela pandemia. No caso dos fundos, o corte é mensal.

Cinco fundos imobiliários já anunciaram que não distribuiriam os rendimentos no mês de março: Grand Plaza Shopping, Via Park Shopping, Shopping Pátio Higienópolis, Votorantim Shopping e XP Malls.