Valor Econômico, v. 20, n. 4979, 11/04/2020. Finanças, p. C3

Provisões e queda em serviços desafiam bancos

Talita Moreira
Flávia Furlan


Os maiores bancos privados brasileiros vislumbram uma inevitável deterioração da carteira de crédito neste ano, e analistas traçam um cenário de lucros estagnados ou em queda. A pandemia do coronavírus rasgou as perspectivas das instituições financeiras para 2020, que já indicavam um crescimento mais modesto dos resultados em comparação com o ano passado.

A paralisação das atividades terá impacto em diversas frentes para os bancos. A mais óbvia é no crédito - as projeções das instituições apontavam crescimento de até 13% nas carteiras de empréstimos e financiamentos. Agora, se houver alta, será bem mais modesta.

Outra implicação evidente é na inadimplência. Os calotes vão subir e serão “talvez o dobro, talvez mais” do que seriam, nas palavras do presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Jr., em entrevista ao Valor na semana passada.

Para se proteger quando há elevação dos calotes, os bancos costumam reforçar suas reservas. Isso passa pelo resultado na forma de um aumento nas despesas com provisões para devedores duvidosos (PDD). Esses gastos vinham se reduzindo com a normalização da economia após a recessão de 2016, e agora voltarão a subir. A alta só não será maior por duas razões. Uma delas é que os grandes bancos ainda estão sobreprovisionados. A outra é que, no acordo para postergar pagamentos de clientes por 60 dias, o Banco Central (BC) concedeu ao setor um alívio nas exigências de provisionamento.

As instituições financeiras já receberam mais de 2 milhões de pedidos de clientes para adiar os pagamentos de contratos de empréstimo por dois meses, segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Os executivos do setor, entretanto, admitem que provavelmente será necessário estender esse prazo.

“Os bancos estão preparados para dar prazo às pessoas que querem pagar suas dívidas, em parcelas que caibam no seu bolso”, afirmou o presidente do Santander Brasil, Sérgio Rial, em entrevista ao Valor na semana passada.

Um dos segmentos de maior preocupação para os bancos é a carteira de pequenas e médias empresas, que têm menos fôlego para aguentar períodos de vendas fracas. Nos cálculos do Credit Suisse, os atrasos acima de 90 dias dessa carteira devem alcançar entre 5% e 7% em 18 meses, em relação a 3,7% atualmente. Na crise iniciada em 2015, os calotes dos pequenos e médios negócios atingiu o pico de 7% no terceiro trimestre de 2017.

“Pequenas e médias empresas estão no epicentro da crise causada pela necessária quarentena”, dizem os analistas do banco suíço em relatório. De acordo com eles, a posição limitada de caixa impede que as empresas de menor porte possam sustentar dois a três meses de reduzida geração de receitas para o negócio.

Como os bancos terão de fazer mais provisões para lidar com a inadimplência, os resultados serão afetados. Considerando a participação no segmento de pequenas e médias empresas, o impacto seria entre 3% e 8% para o Itaú Unibanco; entre 5% e 11% para Bradesco e Banco do Brasil; e entre 6% e 13% para o Santander, no lucro estimado para 2020 e 2021. A análise, porém, não considera a exposição das instituições a cada setor.

O impacto no crédito é o mais imediato do coronavírus, mas não o único. As receitas de serviços dos bancos, que já vinham sendo pressionadas pela concorrência de fintechs, se mostrarão mais fracas em áreas como operações de bancos de investimento e gestão de recursos, afirma Eduardo Nishio, analista-chefe do Grupo Plural. Seguros e adquirência são outras frentes de negócios das instituições financeiras que, agora, enfrentarão um ambiente mais difícil.

Sem fazer estimativas de números concretos porque a dimensão da crise ainda não é conhecida, Nishio prevê que o Itaú apresente, neste ano, lucro inferior ao de R$ 28,4 bilhões registrado em 2019. Para os demais, o analista vem trabalhando com estabilidade ou, no máximo, uma pequena alta.

No entanto, segundo Nishio, este será um ano “não recorrente”, em que a linha final do balanço não será a prioridade das instituições. “Vamos ver os bancos mais preocupados com a solidez do que com os resultados”, diz.

Lazari, do Bradesco, afirmou na entrevista ao Valor que o “guidance” de 2020 não está mais valendo, mas que é cedo para pensar em novas projeções. “É hora de se preocupar com o que é certo”, disse ele, em referência às medidas para prorrogar pagamentos e oferecer recursos a pequenas empresas.

Para o executivo, 2020 será um ano com demanda de crédito menor e inadimplência maior frente a uma queda do PIB que poderá chegar a 4%. “O guidance do início do ano não faz mais sentido sob nenhuma ótica”, afirmou.

Rial, do Santander, não descartou por completo a projeção de crescimento da carteira de crédito do banco em 10% ao ano de 2020 a 2022. “Seria, da nossa parte, casuístico fazer comentário sobre um guidance de três anos a partir de um evento que espero que seja de três a cinco meses.”

Há uma diferença importante aqui. O Santander não tem como política divulgar estimativas detalhadas, como fazem seus pares, que sinalizam qual será o desempenho de itens como margem financeira, receitas de serviços e despesas a cada ano.

No entanto, Rial também apontou que 2020 será um ano de alta da inadimplência, assim como o fez Candido Bracher, presidente do Itaú, em teleconferência com investidores. “À medida que haja deterioração do portfólio de crédito, pode ser que seja necessária uma mudança na classificação de risco de clientes”, disse Bracher.

Os contratempos não devem ainda ficar visíveis nos balanços do primeiro trimestre, que serão divulgados a partir do fim de abril. O mais provável é que só a partir do segundo trimestre seja possível ter uma ideia mais clara da situação.

Mesmo antes do coronavírus, os prognósticos para os grandes bancos já eram mais modestos que os do ano passado, quando o lucro ajustado combinado de Itaú, Bradesco, Santander e BB subiu 18,4%, para R$ 86,6 bilhões. Projeções de analistas indicavam crescimento de 1% a 7% no resultado dessas instituições. Apesar de um ambiente de negócios que se mostrava melhor para o crédito, o teto de juros do cheque especial e o aumento na alíquota da CSLL seriam ventos contrários. Agora, a pandemia invalidou esses cálculos.

O novo cenário poderá levar à redução da rentabilidade e ao aumento da concentração bancária, segundo a Fitch Ratings. No dia 30 de março, a agência de classificação de risco revisou a perspectiva do setor bancário brasileiro de “estável” para “negativa” diante da mudança da dinâmica do crédito.

De acordo com Claudio Gallina, líder da área de instituições financeiras da Fitch, é cedo para falar mais profundamente sobre concentração, mas a história mostra que instituições mais lucrativas, líquidas e capitalizadas tendem a ser vencedoras nas crises, o que pode se traduzir em ganho de participação de mercado ou na compra de empresas em piores condições.

Na avaliação da Fitch, o Banco Central tem atuado para dar liquidez ao sistema, mas tem como desafio a velocidade de operacionalização das medidas.