Valor Econômico, v. 20, n. 4979, 11/04/2020. Finanças, p. C4
BC se aproxima de pares desenvolvidos em atuações
Estevão Taiar
A crise econômica causada pela pandemia do coronavírus deve levar o Banco Central (BC) a ter atuação mais próxima a de seus pares nos países desenvolvidos. As mudanças, em diferentes fases de implantação, estão ligadas em parte às regras macroprudenciais, que cuidam da solidez e do bom funcionamento do sistema financeiro. Além disso, são vistas por economistas como positivas para a autoridade monetária e a economia brasileira como um todo.
“O BC está caminhando para ficar mais parecido com os bancos centrais lá de fora”, diz José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.
Quatro medidas apresentadas recentemente pelo órgão se assemelham a regras adotadas no exterior. A aquisição pelo BC de títulos públicos ou privados diretamente no mercado, durante a crise atual, é considerada uma das principais. O objetivo principal da medida é prover liquidez ao mercado de maneira mais ágil em meio à recessão causada pela pandemia.
A compra dos papéis, no entanto, também pode diminuir a inclinação da curva de juros e consequentemente dar algum impulso à atividade econômica. A atuação sobre a curva de juros é semelhante à expansão quantitativa (QE, na sigla em inglês), uma das principais estratégias adotadas pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) e pelo Banco Central Europeu (BCE) em diferentes momentos desde a crise financeira de 2008. A proposta de emenda à Constituição que trata do assunto está em tramitação no Senado, já que o artigo 164 do texto constitucional veda empréstimos do BC, sejam diretos ou indiretos, ao Tesouro ou a qualquer órgão que não seja uma instituição financeira.
Além do QE, há uma opção mais radical que não consta na PEC, mas que bancos centrais podem adotar em teoria: simplesmente financiar a dívida pública por meio da emissão monetária. De maneira simplificada, os títulos públicos comprados pelo banco central não seriam revendidos posteriormente ao mercado. O Japão, em alguns momentos, implantou medidas que iam nessa direção.
“Mas não dá para comparar o Brasil com o Japão”, diz Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos, destacando características estruturais da economia japonesa, como demanda mais fraca, inflação baixa e um arcabouço consolidado que separa o financiamento público da atuação do banco central.
Na última segunda-feira, o BC também regulamentou linha de empréstimos com garantias de debêntures para instituições financeiras. Nos cálculos da autoridade monetária, a Linha Temporária Especial de Liquidez (LTEL) libera R$ 91 bilhões em liquidez para os bancos. “Isso é uma versão do que já foi feito na Europa com a LTRO”, disse o presidente do BC, Roberto Campos Neto, ao anunciar a medida, referindo-se a operações de financiamento de longo prazo.
A redução dos compulsórios, por sua vez, faz parte de um processo estrutural, anterior à crise. O volume elevado desses recursos no Brasil é considerado uma exceção entre a maioria dos países. “Isso é histórico”, diz o economista Roberto Luis Troster.
No início de fevereiro, por exemplo, eles somavam aproximadamente R$ 450 bilhões. Antes da pandemia, no entanto, o BC já havia anunciado em menos de um ano duas reduções dos depósitos. Em fevereiro, na última rodada anterior à crise, liberou o equivalente a R$ 135 bilhões. Em março, foram liberados mais R$ 68 bilhões.
Por fim, entrou em vigor o Programa Emergencial de Suporte ao Emprego (Pese), nome da linha temporária de pequenas e médias empresas. O BC será fiscalizador do programa de R$ 40 bilhões, com recursos vindos do Tesouro Nacional e das próprias instituições financeiras. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por sua vez, atuará como operador. Entre os países que ofereceram empréstimos para folha de pagamento, estão Alemanha, França e Estados Unidos.