Título: Chávez quer politizar Mercosul
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Fonte: Jornal do Brasil, 10/12/2005, Internacional, p. A8

Venezuela assina início de processo para adesão ao bloco como membro pleno e sugere ''planejamento estratégic

MONTEVIDÉU - O pontapé inicial para a entrada da Venezuela no Mercosul como membro pleno foi dado ontem, no fim da cúpula do bloco, em Montevidéu. Ao assinar o acordo de adesão, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, mostrou que são grandes suas pretensões: defendeu um aumento da politização do Mercosul, que, como previram seus críticos, se tornará uma extensão de seu palanque.

- Acredito que o Mercosul é um projeto político, tem que ser um projeto dos povos e, portanto, da polis - disse o líder venezuelano, agradecendo o fato de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai terem ''aberto a porta'' do bloco a Caracas.

No momento de firmar o documento, Chávez invocou a Deus e disse que em seu nome assinava a adesão venezuelana à comunidade aduaneira.

- Agora, temos que injetar uma dose de planejamento estratégico do Mercosul - defendeu, acrescentando que o bloco deve ser também uma ferramenta nas negociações internacionais.

Brasil e Argentina, que tradicionalmente assumem posição de liderança na comunidade, não comentaram as declarações de Chávez. Só o presidente do Paraguai, Nicanor Duarte, advertiu que o Mercosul ''nunca será um cenário para legitimar posições políticas, nem para radicalizar idéias''.

- Mas será sempre uma trincheira de pluralidade de idéias e debate civilizado - sustentou.

Conhecido pelos longos discursos à moda de Fidel Castro, Chávez falou por uma hora e só parou porque o presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, pediu. Mas deu tempo de reforçar a necessidade de integração energética da América Latina. A construção de uma rede de gás natural da Venezuela provendo os países do sul do continente, formalizada ontem, era desejo principalmente do presidente argentino, Néstor Kirchner, que necessita do recurso para impulsionar o projeto de crescimento econômico nacional. Buenos Aires não escondeu a satisfação em ver Caracas entrar no Mercosul.

O processo formal de ingresso começa em maio do ano que vem e vai durar anos, até que os venezuelanos possam cumprir todos os requisitos: a adesão ao Tratado de Assunção, que deu origem ao bloco em 1991, e aos de Ouro Preto e de Oliveiras - institucional e de solução de controvérsias, respectivamente - e a adoção da Tarifa Externa Comum.

Neste período, a Venezuela poderá participar das reuniões do Conselho Mercado Comum e das reuniões presidenciais, mas não tem direito de voto.

No entanto, nem todos vêem com bons olhos o novo membro do Mercosul. Para alguns analistas, a adesão é uma tentativa de Chávez de desgastar a influência de Washington na América Latina e boicotar a Alca - o planejado, porém criticado acordo de livre comércio das Américas, almejado pelos Estados Unidos.

Carl Cira, diretor do Centro Cúpula das Américas da Universidade Internacional da Flórida, afirmou que o ingresso obrigará Caracas a fazer uma série de ajustes tanto no legislativo como em regulamentações:

- Suas tarifas de importação estão muito acima das do Mercosul. Além disso, as obrigações que mantém com a Comunidade Andina de Nações não necessariamente combinam com os requisitos do Mercosul.

Jorge Arrizurieta, presidente da organização Alca-Flórida, sugeriu que os membros do bloco do Cone Sul devem continuar negociando com Caracas até esclarecerem alguns aspectos, como os subsídios agrícolas, na próxima rodada da Organização Mundial do Comércio (OMC).

- A Venezuela não deveria pertencer ao Mercosul porque é uma área econômica do Cone Sul. O país está fora dessa região geográfica e economicamente - criticou, por sua vez, o economista e professor de economia e Relações Internacionais da Universidade Internacional da Flórida, Antonio Jorge.