Valor Econômico, v.
20, n. 4979, 11/04/2020. Legislação & Tributos, p. E1
MPT vai à Justiça para
proteger trabalhadores da covid-19
Adriana Aguiar
O Ministério Público do Trabalho (MPT) tem atuado intensamente em meio à
pandemia de covid-19. Os procuradores já receberam quase seis mil denúncias de
todo o país e abriram cerca de mil inquéritos civis para investigar empresas.
São casos de falta de equipamentos para evitar o contágio da doença - como
máscaras e luvas - ou de demissões em massa sem negociação com trabalhadores e
sindicatos.
Parte foi levada à
Justiça. Tramitam 25 ações civis públicas, de acordo com último levantamento do
MPT, do dia 3. O órgão já obteve liminares.
Uma delas determinou
na semana passada a paralisação de um projeto bilionário para a exploração e
beneficiamento de zinco, cobre e chumbo em Mato Grosso, maior empreendimento da
Nexa Resources no país. Após audiência de conciliação, as empresas envolvidas
no projeto se comprometeram a intensificar as medidas preventivas necessárias
para proteger os cerca 1,5 mil trabalhadores no local (processo nº
0000168-88.2020.5.23.0081).
A maioria das queixas
apresentadas ao MPT, segundo a procuradora do trabalho Sofia Vilela, refere-se
à falta de medidas para evitar a proliferação da doença, como fornecimento de
álcool em gel, máscaras e luvas, limpeza de ambientes e o distanciamento mínimo
recomendado entre os trabalhadores. “Tivemos denúncias na área de
telemarketing, por exemplo. Os funcionários não estavam sendo orientados e
continuavam trabalhando muito próximos, sem que houvesse a flexibilização da
jornada para evitar aglomerações”, afirma.
Foram relatados
também, acrescenta a procuradora, casos de funcionários no grupo de risco que
não foram afastados ou mesmo de pessoas que trabalhavam doentes. E mais
recentemente começaram a aparecer reclamações por jornada de trabalho excessiva
de funcionários colocados em home office.
O Estado do Rio tem o
maior número de denúncias e também lidera na quantidade de inquéritos
instaurados. Em seguida vem São Paulo e o Rio Grande do Sul. As denúncias
envolvem vários setores e muitas vezes são anônimas ou sigilosas, feitas pelo
site ou aplicativo do órgão chamado de MPT Pardal. Partem dos próprios
funcionários ou dos sindicatos.
Após as denúncias, os
procuradores enviam notificações eletrônicas para as empresas com pedidos de
esclarecimentos em um prazo de cinco dias
“Como o assunto é
muito novo, o MPT tem editado uma série de notas técnicas para explicar para os
procuradores e sociedades como se deve atuar nesses casos, diante da legislação
trabalhista vigente”, diz Sofia.
Em geral, afirma a
procuradora, as empresas têm seguido as recomendações. O trabalho dos
procuradores, na maioria das vezes, é remoto e conta o auxílio da vigilância
sanitária, Polícia Civil e dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador
(Cerests), ligados ao Ministério da Saúde. “Esses órgãos têm ido, dependendo do
caso, averiguar a situação no local”, diz ela, acrescentando que para os
procuradores a orientação é evitar o trabalho presencial.
Após as recomendações,
se tudo estiver correto, o inquérito é arquivado. Mas se a companhia se recusar
a atendê-las, o MPT parte para a Justiça. Foi o que aconteceu nos casos dos
aplicativos de entrega em domicílio iFood e Rappi (processos nº 1000396-28.2020.5.02.0082
e nº 1000405-68.2020.5.02.0056).
Nas ações, o MPT pede
para que as empresas entreguem equipamentos de proteção e deem auxílio
financeiro a entregadores afastados por suspeita de contaminação. Foram
proferidas liminares nos dois casos. Porém, o iFood conseguiu suspender a
decisão no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo.
As ações movidas pelo
MPT, de acordo com o advogado Fabio Chong, sócio do L. O. Baptista Advogados,
são para o cumprimento, por meio de liminares, de regras de segurança e saúde
de prevenção à covid-19. “A ideia é afastar do trabalho os grupos de risco e
obrigar empresas ao fornecimento de equipamentos de proteção, na tentativa de
preservar as pessoas”, diz ele, destacando que o mesmo movimento foi
desencadeado por sindicatos.
O advogado Luiz
Marcelo Góis, do BMA Advogados, afirma que, em geral, as empresas têm
demonstrado uma grande preocupação com seus empregados. “Não tenho visto
desleixo. As empresas têm tomado precauções, determinado que os
trabalhadores que estão no grupo de risco fiquem em casa e adotado os
equipamentos de segurança”, diz.
Ele conta que
assessora uma empresa que foi alvo de denúncias para o MPT por não fornecer
máscaras, “mesmo que ainda não exista consenso se a sua utilização realmente é
importante para evitar o contágio”. Para o advogado, algumas recomendações
do órgão são difíceis de serem executadas, como afastar funcionário e manter o
salário. “É compreensível que se queira resguardar a saúde do trabalhador, mas
na prática pode ser inviável”, diz.
O Ministério Público
do Trabalho ainda tem feito mediações por videoconferência com empresas e
representantes dos trabalhadores para evitar demissões em massa e achar
soluções para empresas em dificuldade. Até agora foram 86 casos. “Tivemos que
intervir rapidamente num caso para evitar a demissão de merendeiras, já que as
aulas nas escolas estão suspensas”, diz a procuradora do trabalho Sofia Vilela.
O advogado Marcelo
Góis destaca que é direito da empresa demitir. Ele lembra que, desde a edição
da reforma trabalhista em 2017 (artigo 477-A), os empregadores não precisam
negociar com sindicatos no caso de demissões coletivas. “Não sei se é
necessário sentar com o MPT para restringir um direito que é da empresa”,
afirma ele, acrescentando que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem
validado essas demissões.
De acordo com o
advogado, clientes de médio e grande porte têm se esforçado ao máximo para
evitar demissões. “As empresas sabem que essa crise é momentânea e tem data
para acabar. Então, não vão demitir para recontratar no segundo semestre ou no
fim do ano”, diz.
Para o advogado Fabio
Chong, a atuação do MPT só é válida se for para realmente mediar os conflitos -
até mesmo para evitar que sindicatos de trabalhadores cobrem taxas ou subsídios
para atuar nos casos.