O Globo, n. 32477, 08/07/2022. Política, p. 4

Casa cheia e saia-justa

Bernardo Mello
Jan Niklas


No maior ato político de sua pré-campanha ao Palácio do Planalto até o momento, o ex-presidente Lula enfrentou ontem uma saia-justa no Rio com a rixa entre o deputado federal Alessandro Molon (PSB) e o presidente da Assembleia Legislativa André Ceciliano (PT) pela vaga ao Senado na chapa do pré-candidato ao governo Marcelo Freixo (PSB). No evento que lotou a Cinelândia, no Centro, a militância se dividiu entre aplausos e vaias a Ceciliano —que chegou a chamar indiretamente o rival de “covarde” —, e a Molon, alijado do palco principal. O episódio expôs os problemas entre PT e PSB no palanque de Lula no Rio.

Após os dois partidos encaminharem um acordo em São Paulo para a retirada da pré-candidatura de Márcio França (PSB) ao governo do estado, o Rio se tornou a principal aresta da aliança. Há divergências ainda em estados como o Rio Grande do Sul, onde as duas siglas lançaram pré-candidatos a governador. Em uma sinalização de boa vontade, o PT expulsou nesta semana 11 militantes por não apoiarem a pré-candidatura de Danilo Cabral (PSB) para o governo do estado.

Apesar de não ter havido pedido explícito de voto, o que é proibido pela legislação eleitoral neste momento, o evento na Cinelândia teve o formato de um comício. O discurso de Lula foi marcado por ataques ao presidente Jair Bolsonaro (PL), que é pré-candidato à reeleição. Oficialmente, a campanha começa em 16 de agosto.

Lula afirmou ainda que sua vinda ao Rio teve o objetivo de acabar com as dúvidas sobre seu apoio a Freixo. Quanto à queda de braço pela vaga ao Senado, apesar de ter feito gestos em prol de Ceciliano, o ex-presidente não mencionou seu nome nem o impasse com Molon.

— Queria acabar com rumores. Será que Lula está apoiando o Freixo?Quando se trata de política, a gente tem que escolher com quem quer estar. No Rio eu tenho candidato a governador chamado Marcelo Freixo. Não tenho nada contra ninguém, mas é importante ficar claro para os eleitores que vão votar no Lula que é importante votar no Freixo — disse Lula.

O coordenador nacional da campanha petista, Gilberto Carvalho, afirmou que não há previsão de Lula participar de um ato de campanha com o prefeito Eduardo Paes (PSD) e seu pré-candidato ao governo, Felipe Santa Cruz (PSD). Segundo fontes ligadas à campanha de Santa Cruz e líderes do PT fluminense, Paes e Lula haviam conversado sobre fazer um ato em conjunto na capital.

— Não tem nada disso. Da mesma forma que não teremos evento com Marília Arraes (Solidariedade) em Pernambuco, precisamos respeitar os acordos partidários — disse Carvalho.

Após cumprir agenda com Lula, Ceciliano chegou a afirmar que a nova agenda no Rio estava planejada para o Parque de Madureira e deveria marcar o apoio de Paes a Lula.

A articulação de um possível acordo com Paes e Santa Cruz foi vista no próprio PT como uma pressão das lideranças fluminense do partido sobre o PSB para que Molon retire sua pré-candidatura.

Ao jornal “O Estado de S. Paulo”, o presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, afirmou que Molon tem a palavra final para decidir se será candidato ao Senado.

— Diferentemente do PT, no PSB o diretório estadual escolhe o candidato (ao Senado), não o nacional. No Rio, o Molon é o presidente e ele será candidato —disse ele.

Fogo amigo

No ato na Cinelândia, sem citar o nome do adversário, Ceciliano criticou “covardes” que deixaram o PT — Molon saiu do partido em 2015, no auge da Lava-Jato.

O formato do evento reforçou que o petista é o nome visto como prioritário da chapa. Ceciliano ficou no palco principal, junto com Lula, enquanto Molon estava em outro espaço. O impasse ganhou novos contornos nesta semana, após Freixo cobrar a desistência do correligionário em nome do cumprimento de um “acordo” e Molon retrucar dizendo que não há possibilidade de abdicar da disputa.

Ao ser anunciado, Molon dividiu a militância, que reagiu com vaias entre apoiadores de Ceciliano e gritos de apoio e aplausos entre os simpatizantes do pessebista.

Após falar da importância de eleger Lula e da unidade da esquerda para as eleições, Molon tratou da candidatura ao Senado. Com críticas ao senador Romário (PL), ele disse que o estado não pode continuar mal representado:

— Precisamos enfrentar e derrotar (o governador) Cláudio Castro (PL) sem conciliação e sem ambiguidades. E precisamos tirar do Senado um senador que nada fez pelo Rio. Quando era jogador de futebol, jogava parado mas fazia gol. Agora, jogar parado no Senado é ser omisso e preguiçoso. O Rio não merece continuar mal representado por Romário.

Enquanto ele discursava a militância petista cantava “Molon, eu não me engano, para senador é Ceciliano”.

O petista foi anunciado ao som de um jingle de campanha com o verso “Já está fechado, é Lula lá André aqui de novo”. Aplaudido pela militância petista, foi vaiado por apoiadores de Molon. Sem mencionar o pessebista, ele chamou de “covardes” aqueles que deixaram o PT em momentos difíceis.

— Quero ser um senador como foi Lindbergh (Farias), que não tirou o pé da bola dividida e estava lá em defesa da presidente Dilma Rousseff. Eu nunca saí do Partido dos Trabalhadores, mas os covardes saíram. Muitos covardes abandonaram o partido no momento mais difícil.

Ao discursar, Lula criticou o governo Bolsonaro pela volta da fome no país, pela alta dos preços dos combustíveis, e citou suspeitas de corrupção na atual gestão.