O Globo, n. 32479, 10/07/2022. Economia, p. 20

Carestia atinge os mais pobres e aumenta fome

Cássia Almeida
Letycia Cardoso


A carestia alimentar voltou a assombrar a população e estimula movimentos sociais. Fernando Gaiger, técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), chamou a atenção para o ressurgimento em algumas cidades do movimento contra a carestia, dos anos 1970, que chegou a reunir 20 mil pessoas na Praça da Sé, em São Paulo, elevou1,3 milhão de assinaturas à Brasília, em plena ditadura militar.

— A Campanha contra a Carestia começou em dezembro de 2021. As primeiras reuniões aconteceram na Zona Sul de São Paulo, perto de onde começou o movimento de 1973 — diz Antonio Pedro de Souza, coordenador da campanha na capital paulista e da Federação das Associações Comunitárias de São Paulo.

O movimento pede controle de preços de alimentos e combustíveis, reajuste salarial e fortalecimento da agricultura familiar, com o mote: “Abaixo a carestia que a panela tá vazia”. A campanha já está na Bahia, Rondônia e Rio Grande do Sul e tem mais de 80 entidades apoiando, inclusive todas as centrais sindicais.

A alimentação no domicílio, pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), aumentou mais de 40%, de janeiro de 2020 a junho de 2022. A cesta básica medida pelo Dieese subiu de R$ 519,76 em fevereiro de 2020 para R$ 777,01 em junho deste ano, ficando 50% mais cara.

— O maior problema é a carestia, a economia voltou patinando. A desigualdade tem crescido, mas indicadores de pobreza estão crescendo mais, como mostram pesquisas de segurança alimentar. Não vemos uma situação como essa há muito tempo — diz Gaiger.

Emprego e cesta básica

Ele lembra que, em outros momentos de inflação alta, como em 2003, os preços dos alimentos não subiram tanto. Em 2008, a renda subiu:

— A pobreza está aumentando a olhos vistos e não aumentaram o salário mínimo em termos reais.

Rodrigo Afonso, diretor executivo da Ação da Cidadania, diz que famílias que faziam doações hoje vão atrás dos alimentos oferecidos pela ONG. A pobreza parece se instalar como uma sina. — Numa família que nasce em insegurança alimentar, que não tem como certas todas as refeições, vai ser difícil colocar as crianças na escola. Eles vão ajudar os pais a conseguir dinheiro fazendo algum trabalho, como pedir esmola no sinal. São gerações inteiras sendo perdidas — diz.

Os R$ 600 que o governo pretende dar para as famílias mais pobres, se conseguir passar no Congresso uma emenda constitucional que burla regrasfiscais e eleitorais, aumenta em 50% o valor distribuído atualmente. Mas isso não deve tero mesmo efeito de melhorara situação das famílias, como aconteceu em 2020, com o auxílio emergencial do mesmo valor, segundo a Rede Brasileira de Renda Básica. —Para se equiparar, o benefício teria que ser de R$ 727 — diz Paola Carvalho, diretora da Rede, considerando a inflação.

Ela lembra que 20 milhões ficaram fora do novo benefício, entre o fim do auxílio emergencial e a substituição do Bolsa Família. Hoje há três filas à espera do Auxílio Brasil: os que já estão no Cadastro Único, os que estão na fila para se cadastrar e aqueles que conseguiram se inscrever, mas estão num limbo, porque o governo não atualiza o cadastro. Paulo Vasconcelos, coordenador da Comunidade Católica Gerando Vidas, que faz ações para empregabilidade e combate à fome, diz que, nos últimos anos, o empobrecimento se tornou mais agudo:

— Pessoas hoje vêm buscar trabalho e também cesta básica, o que não acontecia antes.

Vasconcelos afirma que moradores da Baixada Fluminense que têm casa dormem na rua durante a semana no Rio para procurar emprego, sem gastar com transporte:

— Elas não têm nema quem pedir socorro, porque os familiares estão na mesma situação ou até pior.