O Globo, n. 32480, 10/07/2022. Política, p. 4

Intolerância política

Alfredo Mergulhão
Camila Zarur
Fernanda Alves
Guilherme Caetano
Melissa Duarte
Patrick Camporez
Louise Queiroga
Lucas Altino


O assassinato, na noite de sábado, de um dirigente petista por um bolsonarista em Foz do Iguaçu (PR), após troca de insultos por divergência política, chocou o país e gerou condenação de autoridades e políticos de todos os espectros ideológicos. O caso aumenta ainda mais a preocupação de pré candidatos à Presidência com a escalada na tensão eleitoral. Simpatizante bolsonarista, o agente penal Jorge José da Rocha Guaranho invadiu a festa de aniversário do guarda civil e tesoureiro do PT Marcelo Aloizio de Arruda, que tinha como tema o partido, e atirou. Arruda revidou os disparos e os dois foram encaminhados para o hospital, mas o militante petista não resistiu.

Os principais pré-candidatos à Presidência lamentaram o crime em suas redes sociais. O ex-presidente Lula ressaltou a necessidade de se manter o diálogo e de mais tolerância. E destacou que o discurso de ódio tem sido estimulado por “um presidente irresponsável”. Além de demonstrar solidariedade à família da vítima, pediu compreensão com os familiares do assassino. Logo cedo, o PT soltou uma nota informando sobre a morte e acusando a “violência bolsonarista”.

Já o presidente Jair Bolsonaro tratou do crime no começo da noite de ontem, horas após seus adversários. Ele disse que dispensa o apoio de quem recorre à violência e atacou a esquerda. Bolsonaro republicou mensagem de 2018. “Falar que não são esses e muitos outros atos violentos, mas frases descontextualizadas que incentivam a violência, é atentar contra a inteligência das pessoas”, publicou ele.

As últimas eleições presidenciais, em 2018, foram marcadas por episódios de violência. Então candidato, Bolsonaro levou uma facada durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG). Naquele mesmo ano, o ex-vereador do PT Manoel Eduardo Marinho, o Maninho, foi preso após empurrar o empresário Carlos Bettoni contra um caminhão. Ele teve traumatismo craniano. Bettoni ofendera lideranças petistas que deixavam o Instituto Lula. No último sábado, Lula fez um agradecimento a Maninho, em um ato público em Diadema (SP). O ex-presidente disse que o aliado ficou preso sete meses “porque resolveu não permitir que um cara ficasse me xingando na porta do instituto”.

“Aqui é Bolsonaro”

O homicídio ocorrido no último sábado acendeu o alerta nas pré-campanhas. Marcelo Aloizio de Arruda, que foi candidato a vice-prefeito na chapa do PT de 2020 em Foz do Iguaçu, foi morto a tiros pelo policial penal. As informações constam no boletim de ocorrência, obtido pelo GLOBO, com os relatos das testemunhas, que estavam celebrando o aniversário de Arruda. Um vídeo captado pela câmera de monitoramento do local também mostra o momento do crime. O agente penal, preso em flagrante, está no hospital sob custódia da polícia e seu estado, na noite de ontem, era “estável”.

Quando os policiais chegaram, encontraram a vítima e o assassino caídos no chão. As testemunhas contaram que Guaranho chegou em seu carro, com sua esposa e filha, uma criança de colo. Ao descer do veículo, com arma nas mãos, gritou “aqui é Bolsonaro”.

A delegada Iane Cardoso, da Polícia Civil do Paraná, disse, em entrevista coletiva, que Guaranho chegou de carro ao local da festa de Arruda ouvindo “uma música que remetia a Bolsonaro”, e o aniversariante pediu que e lese retirasse. Após o agente penal ter dito alguma coisa, o dirigente petista teria jogado “pedregulhos” no carro, segundo a delegada. A polícia ainda investiga por que o bolsonarista foi ao endereço.

— Quando ele (Guaranho) estava indo embora, acabou proferindo algumas palavras. O guarda municipal não gostou do que ele teria dito, pegou alguns pedregulhos e arremessou contra o motorista do veículo, que sacou a arma e saiu do local dizendo que iria voltar —afirmou a delegada.

Cerca de 20 minutos depois, Guaranho retornou, dessa vez sozinho. Marcelo Arruda e sua esposa, Pâmela, mostraram seus distintivos, de guarda municipal e policial civil, respectivamente, e suas armas funcionais. Guaranho disparou dois tiros em Arruda, que revidou com disparos.

Em suas redes sociais, o agente penal exibe apoio constante a Bolsonaro. No Twitter, se define como “policial penal federal, conservador e cristão”, cita o presidente e defende armas como método de defesa. A última publicação compartilhada por Guaranho é do expresidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, associando o PT a criminosos.

Há fotos com o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PLSP), filho do presidente da República, em estande de tiros, e com produtos em homenagem ao pai. Ele costuma interagir com perfis alinhados ao bolsonarismo, como comentaristas políticos, influenciadores e autoridades federais e replicou manifestações de bolsonaristas contra adversários.

Pacificar o país

Pré-candidatos da terceira via apontaram a polarização política extremada como o combustível para a violência. O ex-ministro Ciro Gomes (PDT) destacou a necessidade de se conter o ódio político para evitar “que tenhamos uma tragédia de proporções gigantescas”. A senadora Simone Tebet (MDB-MS) escreveu que “adversário não é inimigo” e que o assassinato de Arruda deve soar alerta para não se admitir mais “demonstrações de intolerância, ódio e violência”.

Em nota, o ex-presidente Michel Temer (MDB) afirmou a necessidade de se pacificar o país e pediu “que os líderes deem o exemplo e moderem o discurso para evitarmos uma tragédia maior”.

Já o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que será presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas eleições, enfatizou que a intolerância e o ódio são contrários à democracia e ao desenvolvimento do Brasil. E que “o respeito à livre escolha de cada um dos mais de 150 milhões de eleitores é sagrado e deve ser defendido por todas as autoridades no âmbito dos Três Poderes”.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), publicou que o caso “nos mostra, da pior forma possível, como é viver na barbárie”.