Título: Risco eleitoreiro
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 11/12/2005, Opinião, p. A10

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem um monumental desafio para 2006, ano de sucessão presidencial: garantir ao país que seus programas de transferência de renda não sejam utilizados de forma eleitoreira. O risco de tal uso é inevitável. Integra a natureza desse tipo de programa. Já não parece haver dúvidas do peso eleitoral de projetos como o Bolsa-Família, síntese das políticas sociais conduzidas pela gestão petista. Fusão de quatro predecessores - três dos quais criados no governo Fernando Henrique -, paga benefícios a 8 milhões de famílias pobres. Há expectativa de esse número chegar a 12 milhões até o fim do próximo ano. Trata-se de um gigantesco exército de adultos, idosos e crianças pobres, a quem o programa tem feito a diferença no crescimento da renda familiar. O Bolsa-Família tem ajudado, inclusive, a assegurar o dinamismo econômico de regiões pobres do Nordeste.

As evidências da força daí gerada foram mostradas nos recentes resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad): a pobreza e a desigualdade diminuíram, fruto de políticas desenvolvidas de maneira razoavelmente consistentes nos últimos dez anos. Benefícios do Bolsa-Família irradiaram-se, por exemplo, para mais de 10% dos lares brasileiros entre 2002 e 2004. Simultaneamente, houve expressiva melhora da distribuição de renda. A razão entre a renda média apropriada pelos 10% mais ricos e a dos 40% mais pobres caiu em 2004 para 20,1 - o nível mais baixo de que se tem conhecimento. Tal índice atingiu um pico de 30,2 em 1989, o auge da hiperinflação, e ficou entre 20 e 25 por boa parte da década de 1990. A queda da desigualdade somou-se ao crescimento de 4,9% no PIB em 2004, reduzindo a pobreza de 34,1% da população para 31,7% em apenas um ano.

Convém lembrar, no entanto, que programas de transferência de renda não constituem a síntese de políticas sociais efetivas. Pelo menos não deveriam constituir. Os bons números constatados pela pesquisa do IBGE, referentes ao ano passado, são resultado não apenas de tais programas, mas dos avanços no sistema educacional desde meados dos anos 90, bem como da estabilização da moeda, com a vitória da inflação conquistada também no período. Saltos respeitáveis, pelos quais os últimos governos - e não somente o atual - têm responsabilidade. É notável, por exemplo, que a monstruosa desigualdade brasileira, que por mais de três décadas se manteve imutável em patamares elevadíssimos, entrou em trajetória de queda. Embora seja cedo para afirmar que essa tendência seguirá adiante no médio e no longo prazos, os sinais emitidos até aqui são especialmente relevantes.

Se os efeitos econômicos revelam-se evidentes, os resultados políticos também podem surgir. No caso do Bolsa-Família, coube ao presidente Lula o mérito de perceber as falhas iniciais do projeto social de seu governo, quando ainda se resumia ao Fome Zero. Entregou a tarefa de ajustes a um competente ministro, Patrus Ananias. Às vésperas de se iniciar o processo de sucessão presidencial, os riscos de uso eleitoreiro, reafirme-se, parecem inevitáveis. Há uma semana, o economista Ricardo Paes de Barros, diretor do Ipea e um dos maiores especialistas no assunto, relembrou o exemplo do México, país que criou uma comissão de notáveis, investiu dinheiro para a fiscalização e pediu às Nações Unidas que atestasse que toda seleção dos beneficiários durante o ano eleitoral não seria utilizada politicamente. Uma supervisão voluntária do funcionamento do programa mexicano. É uma sugestão a considerar.