O Globo, n. 32480, 11/07/2022. Saúde, p. 12
Prateleiras vazias
Melissa Duarte
O empresário Ismael Leão chegou à quarta farmácia que visitou na última quinta-feira, em Brasília, em busca de um antibiótico infantil para a filha. No balcão, ouviu a mesma resposta que já havia recebido nas outras três: o produto estava em falta.
— Vou continuar a busca. Tenho que procurar para a minha filha — desabafou.
Em pleno inverno, o desfalque nas prateleiras constatado por Leão evidencia uma espécie de apagão de remédios e insumos pelo país. Faltam itens indispensáveis ao Sistema Único de Saúde (SUS) e listados na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) 2022, como o antibiótico amoxicilina, e dipirona, aliada de primeira hora no com bateadores e febre. Tanto o Ministério da Saúde quanto a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já admitem risco de desabastecimento de medicamentos no mercado.
A escassez, que já dura ao menos dois meses, extrapola as drogarias. Uma pesquisa da Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), feita com 106 estabelecimentos como hospitais, clínicas especializadas e empresas de home care em 13 estados e no Distrito Federal, revela que o problema também atinge unidades de saúde.
O presidente da CNSaúde dor e febre), em 62,9%; neostigmina (combate doença autoimune que causa fraqueza nos músculos), em 50,5%; atropina (tratamento de arritmias cardíacas e úlcera péptica), em 49,5%; contrastes (usado em exames radiológicos), em 43,8%; metronidazol bolsa (para infecções bacterianas), em 41,9%; aminofilina (contra asma, bronquite e enfisema), em 41%; e amicacina injetável (contra infecções bacterianas graves), em 40%.
A ausência de mercadorias causa efeitos colaterais sensíveis: 40% das entidades que participaram do levantamento informaram que adquiriram o soro num preço duas vezes maior do que o praticado no mercado. Com a neostigmina, 53% apontaram que o estoque atual não chega a 25% do necessário.
Segundo o presidente da CNSaúde, Breno Monteiro, o preço médio do soro para unidades de saúde era de R$ 3,50 antes da crise:
— Com relação aos soros, a maioria das empresas produz no Brasil. O que se observou na pesquisa é um escalonamento no aumento do preço. Outra situação é a falta do insumo, em que (as empresas) não estão conseguindo entregar no volume que se comprava — diz o médico.
Cerca de 95% dos insumos para produzir medicamentos, incluindo o Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), o chamado insumo fundamental, vêm da China e da Índia. Entre os principais motivos para a escassez, estão:
A alta do dólar e do barril de petróleo, que afeta o custo de embalagens, e o aumento pela demanda por medicamentos como antibióticos durante o inverno. Além disso, a inflação também afeta a cadeia de transportes.
Preço regulado
Segundo entidades do setor, esses fatores fazem com que o custo de venda para farmácias — com teto delimitado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) —não cubra os gastos com a produção. Fortalecer a indústria no Brasil ajudaria a arrefecer o cenário:
— Temos o desafio da química fina, em que ficamos para trás da Ásia. Hoje, estamos com dificuldade de IFA de dipirona, o que é inaceitável —disse o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, à Comissão de Fiscalização e Controle do Senado na quarta-feira. —Se lá atrás planejamos ter um acesso universal, integral, igualitário, isso não pode ser dissociado de ter, por exemplo, um complexo da saúde forte e profissionais para atender nesse sistema.
Noutro levantamento obtido pelo GLOBO, o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) lista a dipirona e os antibióticos amoxicilina, clavulanato de potássio e azitromicina como os mais “faltosos” entre as 284 cidades pesquisadas na última sexta-feira.
O secretário-geral do Conselho Federal de Farmácia (CFF), Gustavo Pires, detalha outros problemas gerados pela falta de insumos.
— Quando você não tem a dipirona injetável no ambiente hospitalar, muitas vezes tem que usar um medicamento mais potente e mais caro, aumentando o risco de efeitos adversos e complicações para o paciente — diz.
Uma das ações do ministério para conter a crise foi liberar que a CMED reajustasse preços de alguns produtos com risco de desabastecimento. Outra foi reduzir o imposto de importação de insumos para dipirona, neostigmina e bolsas para soro.